sábado, 27 de dezembro de 2014

VEIA MINHA

Crédito: Fábio Feltrim

Minha veia artística
é artéria aorta

Bombeia fôlegos entre as camadas,
Pulsar de sangue nos poros quentes,
Correr de fibras fortalecidas.

Veia artística minha
é a velha aorta

Pico de artes nas veias grossas,
Seringa inflada contaminaccio,
Fina agulhada penetrar fundo.

Veia minha artística
é a vero aorta

Essência-sopro de mim respiro
Raiz d'artérias distribuídas
Caixa torácica ventricular.

Bombear d'esporo-reesperança,
Jatos d'estímulos nos braços quentes,
Ânima-vita vigiar constante.

Desafios meus seguir pulsando,
acreditar - bom funcionar,
no que não miro - meu eu interno,
no que me iludo - meu corpo externo,
 Rasgar por dentro - líquidos-jatos.



quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

CORRESPONDÊNCIA PARA ANA CRISTINA CÉSAR



Querida Ana,

cheguei em casa mais cedo ontem e desde então me tranquei no que não cabe no mundo.
Não sei agir na precisão do resumo contido que você me oferece.
A prolixidade me toma forma tal que desato na persistência das palavras.
Fiz amizade com uma nova garota e desde então não paro de atentar-me aos seus movimentos internéticos.

A vida é acelerar.
Meu corpo batida discorrendo sobre as possibilidades do porvir.

Ouvi boatos de que você deslizou saboneteira abaixo.
Não acreditei nisso tudo.
Cerrei meus olhos-luz que enxergavam a notícia-fato na tela.

Voltei ao livro teu que me vale bem mais que sua vida real.
Me desculpe, bela Ana, mas é para isso que serve a literatura. A vida escrita tanto-fazendo a realidade vivida.

Sua profundeza merecendo bem mais do que abismo-abaixo a janela revela.
Meu corpo-parapeito esperando seu corpo jogar-se que te agarro.
Pula.
Pula de quina na vida que finda; a poesia, ela há de ressuscitar-nos.





terça-feira, 2 de dezembro de 2014

DA INSUPORTÁVEL DESTREZA DAS COISAS NÃO DITAS


O que eu digo não importa.
O que importa é a consistência do meu peso,
meu braço pendente forçando sua nuca.

O que eu digo subimporta.
Meus lábios sem fala,
quietude-abismo da mudez vingativa do que - tenso - não solto.

O que eu digo desimporta
- é meu eu dos dizeres, frases de amantes narrativas -
espécie de pouso mudo nos toques que não encontro.

Das coisas ditas de importância restaram-me somente três:
silêncio,
calância
e
zumbido

Do silêncio aprendi com as maritacas:
para saber quando irritam, é preciso compará-las ao não-som, à ausência do volume notado.

Da calância articulei com os belicosos:
cada gesto de meu corpo representa a prontidão precisa do alerta a qualquer instante.

Do zumbido desaguei com os canos:
a água borbulha-pressão na espera; os dedos que abrem torneira esporro.

Repara bem no ambidestro silêncio.
Pois o que já digo é matéria de banalidades cotidianas.



segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

MOVIMENTO ATERRO - 1. DE PELE, APELE



a pele que rasga
a couraça ancestral
depara-se
- ao findar jornada -
com o rusgo fosco
de secular memória.

a pele apelo,
do brado guerreira,
da vida estribeira,
beirada
às vestes,
batida-estaca
folguedo
cessante,
tambor trovejante
de vidas
agrestes.

a pelo desnudo
de quem
- corpo erótico -
meus traços 
confundem
as riscas maternas.

Fincadas na vida,
do escovar
contrapelo,
de gritos griôs,
nas margens
da História. 

apele, ayo,
se marque na vida
lutando nos dias
opressões clandestinas.

não fui eu quem escolheu pele assim.
pele rota, pele cinza,
pele broto.
virgens toques.

antes a pele corisco,
pele vermelha,
negrume da noite.
terra batida.
retiro xamânico,
corpo fechado,
pele candente.
pontuda, queimada,
lusco-fusco alumia.
pele reforço,
terena,
xavante,
ticuna,
kariri,
caxinauá,
kaingang.

aciono caciques,
mães fortes da selva,
na mata ancestral,
fortalecem terreiros.
nem vem, estou plena.
não cutuca, desconhece.
não me mexe, sou antiga,
se me toca, couro aquece.

ainda
há pele

ainda
há pelo

no todo
APELE

Terras nossas.
não desterros.



quarta-feira, 26 de novembro de 2014

QUE BATE, QUE É SEIO



Bate-rebate,
bate-retoque,
bate batuque
bate tambor.

Bate dedilha,
compridos,
profundos.
Repara na pele,
no toque que é dela.

A moça disfarça,
contraste distrai,
visão dialética
aprendeu foi em práxis.

Me toca no peito,
batendo pulsante,
é toque que toca,
no corpo
um rompante.

O peito da moça
é força escondida.
Seio meu arredondilha,
Seio meu pontiagudeza.
Que jeito bicudo do toque de quem?

É toque corisco,
batida,
maleita.
Num bat-macumba,
menina
me deixa.

Me deixa que a vida
é o toque de muitas.
Meu corpo aceitando
o que topa nos baques.

O que fica é o fino
de existir enredando,
batida que estanca
o tempo-que-resta.

Te encontro em meus seios,
na estaca miúda.
Da batida espalmada
nos putos das gentes.


quinta-feira, 9 de outubro de 2014

NARRATIVAS: LUTA À MÃO ARMADA

Naquele dia ninguém escreveu ao coronel
Nem no dia seguinte,
nem no outro,
nem mais outro,
nem outro não.

Passaram-se semanas
e o coronel
cartas não não recebia.

Ressabiado,
aguardou por mais um mês
Afinal
já tinha tempos que a cidade percebia
que algo estranho por aquelas bandas acontecia.

Nada.

Nenhuma carta foi escrita, embalada, selada, postada e enviada à caixa de correspondências da grande casa do coronel.

O coronel...
O coronel era aquela figura autoritária, mandante, prepotente,
rigorosa no comando da cidade, como pensam estes que lhe convém.
Mão firme, forte,
não deixava ninguém à esquerda passar batido.

O coronel...
O coronel era aquele homem dono de léguas e mais léguas cidadezinha afora.
Heranças, vixe, que não cabia mais no descontentamento das gentes que por lá andavam.
Sobrenome passado homem pra homem não tem erro não
- pretinha prenha cá não ganha nada -
-Tá querendo o que aqui, pichezinho? Vá já pros fundos, diacho.

Mas...
por que não nunca-mais,
ninguém naquelas tardes,
no ócio daquelas bandas,
cartas ao coronel não remetiam?

O guri carteiro passou,
a velhinha empregada ainda fez menção de chamá-lo:
-Ei, rapaz, nada não para o coronel hoje?
-Nada. Nada não, foi enfático o pequeno assanhado.

-Eita, o que houve, minhavirgem?

Mas naquele momento ela já se lembrava.
Sorriu com firmeza como há tempos não se via naquele rosto macerado.
“E não é que os bichos conseguiram mesmo?”
ainda pensou antes que avistasse a marcha que descia estradinha abaixo.

Lá estavam mulheres surradas,
homens de palha,
crianças poeiras.
A velhice aos trinta anos descalça.

Todas rasgando em migalhas postais viajeiros,
Todos triturando com os dentes envelopes distantes.

Ouviu foi palavras firmes na boca do povo:
“Coronel. Acabou procê.
A partir de hoje não mais cartas,
não mais palavras.
Curte aí a baderna,
pois depois só terá é silêncio.
O último que ouvirá serão estampidos secos dos fuzis atingindo a parede.
A parede respingo de sangue depois das balas atravessarem seu peito oco desmantelado”.

Pois foi gritarem tal sete-léguas
e já saía em tamancas,
arrastado por meninos apelidos,
o coronel sobrenome,
que até então não sabia,
que quem não herda heranças de sangue (dos outros),
herda o próprio sangue das lutas,
de ancestrais guerrilheiros.




quarta-feira, 1 de outubro de 2014

MIRANDO JOANA

A primeira vez que vi Joana
Não, ela não percebeu que eu a espiava.
Deitou suas palmas no arrendondar dos olhos
e em leves suspiros girava os pulsos,
esfregando-os em pêndulo.

A primeira vez que vi Joana sozinha
Seu corpo magro não me deixava identificar-me com aquela falta de curvas.
Rolou a mão até a entrada da bolsa larga
e tomou para si como quem recusa afetos
uma agenda surrada.

A primeira vez que vi Joana sozinha sentada
 Saiu de seu bolso jeans um celular que,
em seguida,
numerou dígitos firmes.

A primeira vez que vi Joana sozinha sentada corpo surrado
Sua débil voz ao telefone ensaiava um pedido confuso,
Inaudível aos meus ouvidos metros distantes.

A primeira vez que vi Joana
- Manhã lenta
Viela acordada
Crianças nas escolas -
foi também a vez início
O primeiro baque,
O ver mim mesma na outra alguém.

Se antes eu não somente vizinha fosse
Os gritos constantes ouvidos,
Os estampidos secos dos punhos,
Nada não talvez pudesse ter sentido Joana

Porque eu teria sabido agir
Sem medo
Valente
Tal qual mulher que também sou
E que nas horas inertes já golpes idem recebi

Calei parada
- A figura do grão homem machado empunhando os golpes -

No entanto,
do silêncio soube eu interromper a porta fechada
- primeiro momento de Joana a me olhar -
Paspalha, indefesa, leite fervendo no fogãozinho ao canto,
na pia ainda o copo americano sujo deixado por aquele ele.

Estreitou-se ela em meu corpo com o que lhe restava de garra daqueles braços finos,
Aconchegou-se lenta pedindo proteção laroiê.

Nos vimos mulheres
encontrando um lugar comum
- dor, semente, partilha, regaço, ventre -
Ayabás reerguendo pra vida
Ponteando florins,
Pareando as flechas,
Acertando as miras.


terça-feira, 23 de setembro de 2014

ERA ELA



Era ela
A menina sutil
me olhando em análise
- lenta -
ritmo de cantiga ninar
me embalando cadente

Era ela
A menina bigorna
me sentindo com força
- afoita -
ritmo de mascar chicletes
me mordendo as beiradas

Era ela
A menina novata
me entendendo aos poucos
- perícia -
ritmo de semáforo amarelo
me piscando atenta

Era ela
A menina delícia
me comendo em afagos
- rimados -
ritmo de prazeres intensos
me sentindo por dentro

Era ela
A menina suspiro
se entregando sem pressa.

Seu olhar não me encara
- insisto -
olhos fechados
ela só sente
me mira em fissuras
mulher lábios quentes

Arranco gemidos
deslizo meus membros
enrosco meus dedos
sou toda desejos

Mulher obra mestra
Te encontro nos cantos
Permeia nas frestas
Me abala
- recanto -



segunda-feira, 15 de setembro de 2014

CORDIALIDADE DOMÉSTICA APLICADA

-CENA 1: Pai, após almoço preparado-servido-e-tudo lavado pela mulher “está conosco há tanto tempo que já é da família”, dirige a palavra a seu filho caçula, Pedro.

Mandou compras cigarros com o motorista da família.
Para o pai, aquilo fazia sentido, pois queria dar um certo ar de autonomia ao adolescente sempre protegido.


-Pois que compre tu, seu-seu-seu-seu...

[o xingo pichado no muro da garganta.
Quis gritar milhões de letras amontoadas.
Não se lembrou se V de vaia é sibilante ou fricativa.
Foi procurar no grande dicionário atualizado na biblioteca da casa.

Caminhou longos corredores até chegar à imensa sala.
Ali, tantos eram os livros que resolveu buscar outros meios.
Pegou seu iphone último lançamento,
acessou a internet,

digitou sua questão.
-Ah, mas é claro!]

Voltou para gritar com a consciência de estar seguindo corretamente a gramática;
sem violentá-la;
transgredi-la;
rasurá-la;
rememorando as boas aulas comportado na carteira do colégio branco particular.
"V-labiodental-fricativa, repita comigo, Pedro Henrique"

Na sala de estar, em frente ao pai para gritar, antes que a letra consciente escapasse de seus lábios, pode ver pela janela a filhinha mais nova da mulher “já é da família” sozinha, pequenina, apertando firme o dinheiro na mão direita, subindo a rua em silêncio a caminho do bar.

(nova versão do Quanto Vale? - escrito publicado em 23/06/2014)


segunda-feira, 4 de agosto de 2014

MOVIMENTO DAS ÁGUAS - 2. DA PRECISÃO

Se navegar preciso fosse
vivia eu todinha a me banhar neste seu mar de você.

Mas para nós,

imperativo
de
ser
mulher,
negra,
lesbiana,

viver é questão de precisão.
Necessidade mesmo.
Instante de luta constante.

Navegar é coisa de poeta português homem branco,
cantor-compositor baiano vida sussa.

A gente não.
A gente é luta.
Mulher firme que rios e mares disputa.

Porém quando atraca em terra,
- ai, neguinha segura-

Segura que são séculos
e mais séculos
de ancestralidade a guiar.

 Força nossa é força-raiz,
seja água,
terra,
éter,
fogo,
sangue,
suor,
e
motriz.


quarta-feira, 23 de julho de 2014

MOVIMENTO DAS ÁGUAS - 1. ESCORRE

E se corro
é que o mar em mim
há revolta
há urgência.

Despenteia os corais
rompe areias arenitos
grãos finitos pedra calcário
rochas mármore telha nas coxas

Quebra imagem da santa
Enfeita as mandingas.
São flores nas ondas
batismo
odoyá

Água que vomita em mim
não guenta olho meu nas vielas dos guetos

É recife de lá - eu cá não me arrisco

Se corta as vagas,
come fibras,
nutre artérias,
sente as conchas
- não há pérolas

Que resta eu emaranhada das redes?

Pescador, vem cá buscar o que te sobrou

Pescadora mulher não se encontra
-é coisa de homi, é?
-Puxa as redes, mulher que segura
corta as espinhas, descama mãos firmes
serve à mesa família todinha
homem na rede
mulher limpa-lava-seca-cozinha-é-mais-uma

Recua ligeira que as ondas já voltam

Não,
não aprendestes a nadar -
se flutuar foi preciso
navegar tornou-se um risco 

Mar revolto:
quem foi que te assim fez?

Vida esqueceu foi de remar
Afogou primeiro metro
entupiu veias das bílis
respira mar
pulsoceano

lá vem ondas
veleiros
náuticos
brisa das vagas
ventos convulsos

Desce pedras
beira montes
corta rusgas
rasga mangues

Cupins de mateiros
caçando fugidos
é fogo no mato
cachorro que late
combate inimigo

roça primária
de mar
há estrada

léguas sem fim
cor
é
mar-fim

caminho que corta
afoga
afaga

Batidas gole a gole
da represa que é senão

- se seca
- é seca
- não cessa
- resseca

Boiar.

Boiar sempre.

Como quem num fôlego só
rechaçasse a imensidão.


quinta-feira, 3 de julho de 2014

SUBITAMENTE


Medi todos os tamanhos
a fim de adequá-los ao que melhor me cabia.
Vivi, revi, transvi
cada retalho que se tornasse um tampo seguro às minhas medidas.

Demasiada,
fiz o justo exercício das medidas justas:
não pelos excessos,
mas somente pelo o que me cabe.

Recortei as brechinhas e cheguei à você.

Você-emenda certinha em minha dimensão.
Você-manto quente quando sopram os ventos do sul.
Você-aconchego quando me guarda, me olha, acalanta.

Costura eu com tu que o balaio agita.
Cose as arestas, apara as rebarbas.

Costura infinita de linha que não acaba,
agulha que não finda,
carretel pro além céu.

Chega juntinho que o ponto não cega.
Vem cá pertinho que o nó não é cego.

É ponto-nó firme que permanece no tempo-espaço.
Ponto fechado, apertado,
feito candor de candeeiro velho.

Por tudo,
por ora,
por tu,
é agora,
é você 21,
é mais um.

Eu,
que
sigo
nesse
balancim
bom.

Me
embala
doce
que
a
vida
é
rede.




terça-feira, 1 de julho de 2014

PARA WALY MARUJEIRO DA LUA

Fronteira é linha demarcatória;
Espaço-limite de um não voltar.

Mística solar que recebe os sinais do asfalto.
Racha de quente,
queima a sola,
Solo infértil de piche-concreto.

Assim meio a meio,
meia divisa - hemisfério norte -
meia divido - hemisfério é sul -
 traço riscos,
fixo territórios.

Aqui não há pecado,
A vida é fronteiriça.
Limite da espera.

_______________Cruzamos a Linha do Equador________________

Não fosse eu nascida e criada nas demarcações de meu corpo
o quanto de fronteira posso ter em minhas veias?

Fronteiro meu corpo a quem não me alcança.
No ponto fraco que sou tu não me tocas,
A fronteira está fechada,
você não me corrompe.

Mas sou fronteira-aberta a quem sinto no toque,
àquelas que bem sabem como a mim chegam,
acariciam,
me olham à espreita,
demarcam seu gosto nas riscas de meus limites.

Ser fronteira;
extremos chamando extremos,
momentos gritando por gozos,
abismos dispersos,
tiros incertos,
rabiscos diretos.

Além
traços,
mantém
riscos.
Aos
poucos
vão
se
criando
alguns
dísticos.

[escrito após assistir a "Pan-cinema permanente", direção: Carlos Nader, 2008]



quinta-feira, 26 de junho de 2014

UM FLERTE COM LEMINSKI

Aqui se faz, aqui se praga
a corroer os escaninhos.

Se me rogas
Não nem alastras
Este que chamam
capetivino.

Que foi em Praga
que praguejastes
lascívias, gozos,
dívida externa.

No bolso meu
já nem não cabem
que custo deu
foder com o seu.


terça-feira, 24 de junho de 2014

ESTREIA COMO COLUNISTA DO SITE DA ASSOCIAÇÃO CULTURAL PERIFERIA INVISÍVEL

Hoje estou iniciando minha participação mensal como colunista do site da Associação Cultural Periferia Invisível:

REMENDANDO OS ATALHOS: É NÓIS

A Copa chegou.
Quem disse que ela não vinha?
Veio embarcada nas lanchas, iates, naves espaciais.
Tomou voo primeira classe,
desembarcou terceiro mundo.

Usurpou os territórios,
explorou classe operária,
derrubou constituintes.

Fez com que os malditos telões de plasma da linha 4 amarela - aquela privada que 
muitos se felicitam porque não entra em greve - passasse de minuto a minuto cretinos 
informes que nos desinformam.

A Copa, ela não vai embora,
Deixará o seu legado.
Aluguéis exorbitantes,
pessoas desabitadas,
Cardápios inglês-português,
Marcas nos corpos das garotinhas.

A Copa.
ah, mas esta Copa sagaz-capaz,
como ela sabe fazer social,
vender sua própria imagem,
sorrir na capa da Veja,
Gastar jato de tinta verde-amarelo a colorir as impressões das revistas.

A Copa.
Ela fez-nos ouvir dizer que Itaquera é, agora, o centro do mundo.
Ora, Veja(m) só vocês, somos in-ter-na-cio-na-is!
Mostramos nossas cores multiétnicas,
Apresentamos na tela nossa periferia,
Desmistificamos nosso abrigo selva,
Fomos além da Amazônia,
Oh god, it's not only a jungle!

Estamos na crista da onda, baby.
Zona leste é nóis, mermão.

É nóis.
Vai explicar isso para o de fora,
o estrangeiro,
o estranho,
desconhecido.
It's we - lolololo -
Est nous - héhéhé -
Es nosotros - jajajaja -
Ist wir - hæ hæ hæ
είναι εμείς - xaxaxa

Mostra para estes bolhas o que é é nóis.
O é nóis periférico,
É nóis da quebrada,
É nóis becos e vielas,
É nóis da pele preta,
É nóis na boca do povo.

Não vem você enrolar a língua querendo ser o descolado.
Não vem você que aprendeu o português “correto, erudito” nos colégios que fazem 
“as melhores cabeças” que aqui tu não tem vez, mané.

Se eu digo é nóis,
é porque a frase está incrustrada na geral,
penetrou em nossa pele,
remexeu nossa linguística,
cuspiu pra fora a limpeza hegemônica do bem falar.

Olhem para é nóis agora,
Somos o centro falido,
Fruto global-neoliberal,
o núcleo mundial desta Copa oficial.

Estão todos de olhos na gente.
Aproveita... vai lá.

Somos bacanas, meu bem,
Tudo é divino-maravilhoso,
estamos em todas as telas.

Não é esta a era midiática?
Sociedade do espetáculo?
Presença constante do Grande Irmão?

Agora o resto do que virá.
Já que somente nos restarão os retalhos.
Retalho-legado,
Retalho-engomado,
Retalho-atalho,
Retalho-o-caralho.

-A gente não é pano-lixo não.
Estamos acostumadas a costurar as nossas sobras,
remendar os nossos trapos,
esfregar a gola esgarçada,
pendurar nos varais somente a dignidade da luta.

- Somos sujeitos periféricos -
Somos mulheres e homens.

De retalho a retalho,
pedaço por pedaço,
- pode crer -
a gente vai reconstruindo nossos braços sempre armados.


segunda-feira, 23 de junho de 2014

QUANTO VALE?

Mandou compras cigarros.
-Pois que compre tu, seu-seu-seu-seu...

[o xingo pichado no muro da garganta.
Quis gritar milhões de letras amontoadas.
Não se lembrou se V de vaia é sibilante ou fricativa.
Foi procurar guia gramática formato livro.
Não encontrou.
Ligou máquina computadora,
acessou virtualidades,
aba pesquisa digita-procura,
indagou mestres da nuvem.
-Ah, mas é claro!]

Voltou para gritar consciência correta estado gramática;
 sem violentá-la;
transgredi-la;
rasurá-la;
rememorando as boas aulas comportado na carteira do colégio branco particular.
"V-labiodental-fricativa, repita comigo, Pedrinho"

Na sala de estar, em frente ao pai preparado ao grito, antes que a letra consciente escapasse de seus lábios, pode ver pela janela sua irmãzinha-menina apertando firme o dinheiro na mão direita, subindo a rua em silêncio a caminho do bar.



quinta-feira, 5 de junho de 2014

das deixas

Deixou as cinzas do cigarro espalhadas pela cama
Deixou a bituca quedacaindo no chinelo de dedo
Deixou o cinzeiro semi vazio em cima da escrivaninha
E saiu pela janela a ser fumaça nos aires



terça-feira, 3 de junho de 2014

dia sem fim

Menina escorre no gargalo do abismo
ensaia o salto - estaca à borda
correu frenética até o talo
bisolhou a queda livre
bisolhou a altitude
bis dois olhos
mansos
negros
puro
gás
na
f
ta
li
na
.
.
.
.
.
.
.
é
ar
é gás
brisas
e sopros
ensaia a vida
- fragmentada -
carrega os galhos
escrava e escopo
deste sem fim desconjuntado
a-menina-corre-salta-pula-é-queda
/
/
/
/
/
/
/
/
Era só um dia morno
dia velho dos infernos

-Menina, o dia acabou, volta pra casa.




domingo, 1 de junho de 2014

ME COM-ME

arte: Annie Gonzaga

toca-me ao querer-me
ao tocar-me me-desperte
se me tocas menlouquece
me temer-me
mestremece


sexta-feira, 30 de maio de 2014

terça-feira, 20 de maio de 2014

PARA DIANE DI PRIMA, MEU PESCOÇO CORTADO



Vivi muito para não saber mais quem somos,
Me defini nos becos ocos de periferias alagadas,
Despi minhas vestes sentindo no bico dos seios
                                            a fina brisa campestre.

Se pude ser brasa é porque de mim queimaram urtigas,
Se rude, se rasga, é porque - enfim - sobraram intrigas.

No verbo vespertino de hoje
Nenhum anseio se alastra
O tempo de quando
Do tempo que resta
é
O tempo canastra.

Saio pelas ruas à beira do nada.
A procura nem sempre encontra o buscado.

Ei, você, amiga pequena, já reparou na navalha ao lado?
Corta ela seu caminhar,
seus passos,
suas buscas,
seus passados.

Não há quem a freie, perversa, recém afiada.

Não reparou você que a navalha é meu verbo trespassado?
Minhas sílabas desconexas, afiançadas?
Meu abc primário escolarizado?
Meu grito fraco quando não te encontra nua no retorno à casa?
Minha língua impossível servida para a função da fala,
 mas também eficiente na função do sexo?

Olhe de novo. O corte já desfia o pescoço.
Escorreu líquido solto.
Penetrou nos poros frios.

O que restou desta manhã?

É terça-feira.
Terça-feira nublada.
Terça-feira perdida no meio da semana
                                                         que insiste em começar.

Agora...
Agora só me resta varrer a casa e jogar no lixo reciclável os papéis rascunhos desta escrita que não acaba.
Lavar a navalha de sangue escorrido.
Desdenhar do pescoço malcriado que desafia a lâmina afiada.
E enfim acordar.
Não tem fim.

Bom dia.

Novamente
Lá vem ele -
O pescoço teimoso - 
A desafiar a navalha cortante.


(*escrito a partir do abismo sentido ao conhecer a frase de Diane di Prima, escritora beatnik: "Tire sua garganta cortada de minha faca")



segunda-feira, 5 de maio de 2014

UM CONTO POR SEMANA: O POÇO E O PÊNDULO, EDGAR ALLAN POE


O POÇO E O PÊNDULO (1842) - EDGAR ALLAN POE (escritor estado-unidense: 1809-1849)

Ler os contos de Edgar Allan Poe é emergir nas possibilidades mais obscuras do terror humano, em sua definição mais “pura” da palavra – se é que podemos atribuir ao terror o superlativo de pureza.

O autor nos envolve em uma atmosfera inóspita que em O poço e o pêndulo eleva sua potencialidade, uma vez que a narrativa é traçada em primeira pessoa. Ou seja, vamos junto ao narrador-protagonista desvendando as características do ambiente no qual este encontra-se aprisionado e deixando-nos intrigada/os para a consequente conclusão da história - já que aparentemente a personagem encontra-se, literalmente, em um poço sem saída.

Curioso certamente é o modo com que Poe escolheu traçar o final, trazendo à narrativa uma personagem real, histórica, quase que como um deus ex machina, totalmente inesperada à conclusão do conto, lembrando-nos que o fantástico, o macabro, o desesperador também são partes da realidade em que vivemos.

Para ler o conto, acesse:

(*UM CONTO POR SEMANA é um projeto de leitura de um conto literário a cada dia, seguido da leitura de uma crítica e um esboço de escrita para publicação neste blog. Início: 28/04/2014)



segunda-feira, 28 de abril de 2014

UM CONTO POR SEMANA: A DAMA DO CACHORRINHO, ANTON TCHEKHOV



A DAMA DO CACHORRINHO (1899) - ANTON TCHEKHOV (escritor russo: 1860-1904)

"Ninguém pode escrever com tamanha simplicidade, sobre coisas tão simples, como você. Depois do mais insignificante de seus contos, tudo o mais parece grosseiro e escrito não com a pena, mas com um pedaço de pau"

Foi assim que Máximo Górki escreveu em carta à Tchekhov para descrever seu sentimento após a leitura do conto A dama do cachorrinho.

Esta "simplicidade das coisas simples" pode ser descrita no enredo do conto, contado em poucas linhas: Dmítri Dmítrich, casado e envolvido em muitas aventuras amorosas, conhece uma mulher - a dama do cachorrinho, Ana Sierguéievna, também casada - e ambos iniciam um caso.

É somente isto que leva Tchekhov a penetrar em grandes questões psicológicas que vão desde a moralidade familiar até a mediocridade do cotidiano das vidas. Aí está o grande ganho do autor: a penetração no cotidiano de algumas personagens, o retrato um pouco mais profundo de pessoas comuns daquela sociedade russa nos finais do século XIX, num movimento que leva do micro ao macrocosmo no desvelar do conservadorismo da época.

Para ler o conto, acesse:

(*UM CONTO POR SEMANA é um projeto de leitura de um conto literário por semana, seguido de um mísero esboço de escrita para publicação neste blog. Início: 28/04/2014)

sábado, 26 de abril de 2014

OUTRORA

É vibração noturna.

O que dirão os experimentos?

Da queda de um raio
buscam efeitos o clima estufa

Algo mudou

Quanto girou

- Por vezes lembrar que a alternância é regra dos espaços -

Seguro.
Concreto.

Mas aqui dentro;
no espaço estreito em que me encontro;
a vastidão tornou-se imprópria,
escapou em fuga,
já não coube em mim.

Fiquei cá eu,
miudinha,
amuada,
a me lembrar de outrora.

Outra hora em que eu diria sim.


quarta-feira, 9 de abril de 2014

NOVO CORDEL EM PROCESSO: AINDA SEM TÍTULO


1.
Mais um dia na rotina
É ver uns trabalhadores
E também trabalhadoras
Replicando suas dores
Na labuta, no cansaço
Procurando seus espaços
Nesta pátria sem amores

2.
Meia-noite no relógio
Fim do dia em mais um lar
Muitas horas no busão
Pra família enfim deitar
Na barriga nada resta
Muitos poucos fazem a sesta
Do que pode semear

3.
-Semear, cara poeta?
Mas como é que se pode
Se a comida é comprada
E nóis pobre é que se fode
Tudo industrializado
Embalado, empacotado
É só transgênico em lote?

4.
-Como é que eu semeio
Se não tenho a tal da terra
Se sou filha de escravos
Das matas secas, das serras.
Se no reparte do chão
Minha parte eu tive não,
Me sobrou foi a espera.

5.
-Espera esta sofrida
Que já duram muitos anos
De querer revolução
Armada com bombas, canos
Se tocar em mim explode
Fique esperto, não me fode
Hoje não tô pra fulanos

6.
Fulaninhos imbecis
Que me olham cima a baixo
No instinto mais primata
Reforçando que são machos
Me enxergam só mulher
Querem fazer o que quer
Com meu corpo igual um cacho

7.
Não me toque, não te quero
Se quisesse eu diria
Pois sou uma destas minas
Que todos chamam vadia
Só por fazer o que quero
Sem ligar pra lero-lero
Do que a geral diria

8.
Mas voltando à questão terra
O que nos resta é a luta
De retirar propriedade
De todos que nos usurpam
Sejam eles estrangeiros
Ou nacionais corriqueiros
O alvo reforça a conduta

9.
A equação é bem simples
Tendo uns muito demais
Para outros não há nada
Se tu quer mundo de paz
É dado o fim capital
Da base comercial
E dos problemas centrais

10.
-Aí, se levante comigo
Transforme esta poesia
Erga as armas que são punhos
Com enxada a mais-valia
Tirem fora os grilhões
Eu vos abraço, milhões
Como o título de Scliar

11.
-Somemos na luta agora
Contra o grande capital
Combatendo a hegemonia
Do horror neoliberal
Só mais uns dias, patrão
Logo tu ficas no chão
Do grande levante geral





sábado, 22 de fevereiro de 2014

MATÉRIA DE FÁBULA DOS PEQUENOS GRÃOS

Matéria de fábula:
Inspiração noturna

Ser um ser
Único
Indivisível
Irrepartido

Ser um ser no mundo
Coletivizado
Mediado
Partilhado

Ser um ser no universo
Bilhões fracionado
Particularizável
Ínfimo

Ser um ser
Macro - micro
Micro - macro

Pequenas revoluções cotidianas

Olhar para o entorno visando atingir o cosmos

Energeticamente
Concretamente