sexta-feira, 18 de agosto de 2017

[ vol. iv ]

tecnologia temporal
não faz marco
votado em supremo tribunal federal

tecnologia temporal
redemunha diacronia
e anuncia
início bem antes 1988
desse chão dos tãos quilombos
e das terras mais que indígenas
que do tempo nós sabemos
não na conta seus relógios

os nossos

marcações são mais antigas


#MarcoTemporalNao
#NenhumQuilomboaMenos



terça-feira, 15 de agosto de 2017

12 POETAS LÉSBICAS (VIVAS) PARA CONHECER

Poetas lésbicas contemporâneas existem, escrevem, tecem suas narrativas, falam poemas por aí. Estão vivas! São muitas!
Para celebrarmos e visibilizarmos ainda mais nossas existências e lutas neste mês de agosto (29/08, dia nacional da visibilidade lésbica), apresentamos algumas - entre as muitas, tantas - poetas lésbicas que espalham por todo canto suas palavras potentes, suas escritas sagazes, suas vozes astutas.
Leiam-as, compartilhem suas escritas, curtam suas páginas, adquiram seus livros.
Circulemos a palavra viva!
Circulemos a palavra nossa!

(obs. muitas - tantas, várias - são as poetas lésbicas atualmente escrevendo e reverberando; no entanto foi necessário um recorte para este escrito; este recorte deu-se de modo afetivo a partir de pessoas próximas, amigas dos encontros de abraços e de poesias (por isso quase todas do sudeste; você que lê, encha aqui de indicações nordestinas!). o objetivo não foi de modo algum fazer um recorte vertical. espero que essa escrita seja inspiração para que você que está lendo possa também tecer suas escritas e divulgar mais-muito-mais poetas lésbicas)



12 POETAS LÉSBICAS (VIVAS) PARA CONHECER



crédito: Annie Gonzaga Lorde


NÍVEA SABINO espalha sua voz tão singular pelos lugares em que passa, de um ruído de interior de quem nasceu e ainda vive em Nova Lima, Minas Gerais. Já circulou por diversas cidades e estados fazendo ampliar suas palavras por saraus e slams. Publicou em julho de 2016 seu primeiro livro, Interiorana, pela padê editorial. Diz estar o tempo todo arrodeada de ideias para as escritas. Ideias as quais preenche em blocos de notas do celular para, depois, organizar e está feita poesia! Você pode lê-la no blog:


HERANÇA DOURADA

Foi meu vô
quem contou:

Que por essas terras,
entre congonhas e serras
habitam
imersos às neblinas

Filhos de Nova Lima

Das riquezas
das Minas
ipês e trilhas
qualidade de vida

Essa gente
come quieto e sofrida
carrega
no peito a certeza

Herdam
seus filhos
a maior das grandezas

Não se extrai
de si
a pureza

honestidade

A velha e
boa vontade

Mora nos filhos de Nova Lima
retidão pra seguir a vida
gerações floresceram
das profundezas das Minas



foto: divulgação fb

FORMIGA é poeta dos cadernos repletos de escritos. Saca ligeira como quem saca armas os cadernos da mochila e seja voz solta, seja microfone em punho, seja de megafone em mãos, faz eco alto a poesia se espalhar por aí. Publicou o livreto Eu-Lésbika contendo "14 poemas de sobrevivência favelada", com diz a poeta e você pode baixá-lo aqui:
https://heresialesbica.noblogs.org/post/2014/11/03/livreto-eu-lesbika-por-formiga/ e seguir Formiga no blog: http://aversaopoetika.noblogs.org



Seis Sentidos
especialmente pra Xis
O negrume dos teus olhos me fascina como de costume revitaliza finda toda dor linda cor admiração se canalizam em ardor lábios se tocam em carinhos sábios provocam caminhos em percursos vários é fato experimento teu relevo no meu tato nua que causa a luz da cheia lua calor sem pausa vou que vou de leve essa pele me pede apele mede palmo a palmo intensamente com jeito calmo suspiro profundamente no seu cheiro eu piro e sigo em frente como eu braseiro vou fitando seu modo meigo rebolando tipo uma cuíca quanto mais arrepica mais estridente teu gemido fica é quente o clima vai e vem por cima soa a minha e sua pessoa nessa fusão loka malícia boa delícia é tua boca serpenteia na minha mão está posto sente teu próprio gosto nos meus dedos então teu gozo minha satisfação um querer nada bobo e ai vamo de novo?




crédito: Edith Neves

JOANA CÔRTES é poeta dos cotidianos. Mas não pense você das coisinhas fáceis que qualquer uma saca à primeira mirada. Que nada, não se engane! Joana sergipana capta o cotidiano na sua extração mais absoluta: nas miudezas mesmo, para gerar poesia seja num comentário de foto antiga, seja numa mensagem correspondida, seja numa breve conversa em que você sairá conhecendo menos dela em si e muito mais de ti mesma. Prepare-se!

Um caminho de mesa

feito de mãos a linho ou algodão
aberto e posto em superfície rupestre

tecido natural
vinco corpóreo

forra a parede 

costurado pelas dobras nuas

dos dedos

de dona Isabel 

feirante do mercado municipal de Aracaju


que a esta hora deve ou estar se abanando
ou lendo uma bíblia com páginas de papel manteiga
bem fininhas.

Coberta de fios 
linhas
fé,
algum rancorzinho,
e razão.

(Descoberta)



crédito: Yuri Brah

MARIANA QUEIROZ é das poetas para se conhecer na aproximação, no íntimo. Descobrir seus poemas é deleitar-se em repetições rítmicas que cadenciam sua fala de sílabas bem entrosadas. Nascida em Cuiabá/MT, Mariana atualmente reside em Florianópolis/SC. Acredita que escrever é força para existir apesar de. Sem livros publicados até agora, mas com projetos - tantos - na máquina de costura. Criou recente a página: https://www.facebook.com/Tecituras-110937312906312/


percorro a cidade
do teu corpomulher

lambo tuas ruas
enquanto desvio
do exército armado
que viola as esquinas

percorro a cidade
do teu corpomulher

atravessam-me as
entranhas
semáforos mares
ambulantes
o intenso tráfego
dos teus olhos




foto: divulgação fb

BIANCA GUIMARÃES tem "quase 21" anos, como costuma dizer, todos vividos na terra de arranha-céu que é São Paulo. Conta que começou a escrever já na infância, justamente por se sentir sozinha e invisível por conta de toda carga de xingamentos racistas recebidos desde esta época. Acabou de criar a página Alumbramento Marginal, com o propósito de divulgar seus escritos:
https://www.facebook.com/Alumbramento-Marginal-498295350525170/?pnref=story


portal liminar.
.
ela segura os cigarros como quem segura o meu desejo, com a frouxidão exata pra não deixar escapar da ponta dos dedos. eu que sou dada á vontade de sumir, queria ser fumaça mas, não pra evaporar, só pra entrar e sair, entrar e sair, entrar e sair dela dali. ela tem um portal no meio das costas com entrada pro desejo, gosto de abrir sempre que o vejo. com a língua ou com os dedos dançando de baixo pra cima, de cima pra baixo. vendo chuva sair do paraíso místico dela. mergulhar no jogo do tato, se deliciar com o faro e terminar em falanges.




foto: divulgação

CECÍLIA FLORESTA em algum momento de sua trajetória se deu conta de que o ato de escrever a ajudava a compreender o lado de fora e a limpar o interno. Assim, compreendeu os poderes de cura da escrita. Cecília publicou em 2016 o livro Poemas Crus, pela editora Patuá. Participou da 3ª edição da zine Mais Pornô, Por Favor!, dedicada à poesia lésbica:
http://vodcabarata.blogspot.com.br/2017/03/um-pouco-sobre-feitura-do-mppf-3.html.
A página desconversas afins é sua gaveta aberta:
https://www.facebook.com/desconversasafins


mês oito

agosto não é
um mês desgostoso para nós
talvez pros outros

dia qualquer, agosto
te escrevo um poema
pra destemperar a língua
que te pinta insosso
pois que carregas os nomes
das minhas irmãs
& as pesadas palhas
do meu orixá de cabeça

31 dias amenos
compõem o seu corpo
pra lembrar dos outros trezentos
e tantos dias em que permanecemos visíveis
nos muros ruas calçadas das cidades
goste ou não a normatividade

agosto é um mês de luta
de rixa a favor de nós
& que se gastem os outros

mas agosto
não se esqueça:
apesar do variado de seus gostos
todo dia eu acordo sapatão


crédito: Andréa Magnoni

RAÍSSA ÉRIS GRIMM é de Florianópolis, escreve desde os 14: "comecei a escrever pra expressar meu amor" e segue escrevendo até hoje, aos 32 anos, como um processo de, em suas palavras "entender minhas emoções. Principalmente depois que me assumi sapatão e trans". Até o momento publicou a zine Beijos de Fada e você pode ler seus textos no blog:
https://sapaprofana.wordpress.com/


"Somos todos pessoas",
mas meu nome não é esse
que você falou.

Tua piada
não me fez rir,
e esse fiu-fiu que é leve nos teus lábios
chega feito medo 
no meu baixo-ventre.



"Somos todos pessoas",

mas eu que sigo apagada,

diante da tua presença:

voz sempre ouvida,

palavra lembrada.


Tua ciência
demarca fronteiras
a corpos e mundos que eu não habito -
tua fé segue clamando
por uma pureza e salvação do espírito
onde sou maldita.

"Somos todos pessoas",
só que eu não sou parte desse 
todo
uma vez que minhas cicatrizes
invisíveis à luz conveniente dos teus olhos
marcaram-me
toda.




foto: divulgação fb

GABRIELA POZZOLI CAVALHEIRO diz que foi criada no meio da roça entre bichos de Embu das Artes e natureza de Cotia. Aos 26 anos, escreve desde quando se conhece por gente, o que diz ter discordâncias, já que "muitas vezes nem por gente me conheço". Nas palavras de Gabriela, "escreve, principalmente, porque a voz repercutida na cabeça insiste em gritar, sair, dar pirueta e fazer rodopio, insiste em não ficar quieta, calada, gritando, vociferando, esbravejando, e por vezes, doce em sussurros e suspiros. por que além da voz tem a caneta e o sentimento, e uma vontade que não se cabe em si". Pretende publicar livro logo menos e por enquanto é possível lê-la em seu perfil no facebook e também em: http://pozzolig.wixsite.com/sereiamante


corponhecimento

aprender
a descobrir
sozinha
todos os sons
e arrepios
que sua mão
é capaz
de tirar
de seu corpo
para que ninguém
possa te surpreender
com gemidos
que te sejam estranhos
entendendo todas notas
graves e agudas
moduladas
em todas tonalidades
para que ninguém
possa improvisar
sobre tua carne




crédito: Juh Almeida

TATIANA NASCIMENTO (DF) é das escrevivências desde há muito, amalgamando canções (confira Meio Beat Meio Banzo: https://www.youtube.com/watch?=gXsjYxbFNcU), organizando saraus e corres pra movimentar a poesia falada: a sua e a de outras minas negras no projeto Palavra Preta - Mostra de Autoras Negras (https://www.facebook.com/mostrapalavrapreta/). Movimenta também a poesia escrita sendo uma das editoras da padê editorial (https://www.facebook.com/pade.editorial/), mesma editora pela qual publicou seu primeiro livro: lundu, (2016). Leia-a em: https://palavrapreta.wordpress.com/ e 


841 (lauro de freitas não é vilas do atlântico)
peguei seu ônibus
preferido
te mandei um beijo
no vento
guardei seu dendê
no meio das coxa
(era a curva equidistante quando a noite come o dia atrás do mar,
em cima da ilha de itaparica)
peguei seu ônibus
na curva
te mandei um beijo
no meio das coxa
guardei seu dendê
preferido
(era o vento equilibrante quando a noite cobre o dia atrás do mar,
em cima da ilha de itaparica)
guardei seu beijo
preferido
te perdi no meio das coxa
(ou no ônibus)
o vento cheira dendê,
saudade (y
y carnaval)
na bahia

foto: divulgação fb

LAILA OLIVEIRA é paulistana de 28 anos e pratica a escrita desde a época da faculdade de jornalismo. Com este impulso, lançou o livro independente Crossdressers (2011), livro-reportagem sobre homens que se identificam com o vestuário dito feminino. Atualmente escreve poemas na máquina de escrever e distribui nas ruas como forma de sensibilizar e dividir vivências. Criou recentemente a página Minudências ; Acompanhe aqui: https://www.facebook.com/lailaminuds/
aquosa

todas as águas se encontrariam
numa mistura adiavelmente inevitável

intenso 
confronto 
rochas, margens 
ph duvidoso

fases da lua
equinócios 
massa líquida 
junção


amor cheia de maré
energia das ondas
abalos sísmicos


filtrada
ebulida
evaporada


precipitei tantas vezes em você
que acabei penetrando absorvida 
no íntimo do seu lençol freático.




crédito: Deni Chagas

MAYANA VIEIRA começou este ano a organizar o Slam do Grajaú, na zona sul da cidade de São Paulo. Atualmente com 21 anos, diz ter encontrado na escrita "uma forma de ser ouvida e de existir; escrever pra mim é vômito, é grito". Com livro no prelo (lançamento previsto para este segundo semestre de 2017), Mayana publica seus escritos na página Motumbá: https://www.facebook.com/vieiramayana/


Libido IV
Tudo começa na boca, menina

E espalha em meu corpo esse desejo sem controle

Rouba-me a razão

E me entrega ao outro lado,

Os corpos despidos em confronto

É a minha coxa

A tua coxa

As pernas entrelaçadas e o ofegar da respiração!

Esses movimentos circulares de dedos molham-me o sexo, menina

É esse vai e vem...

Vem e vai...

Entra e sai...

E tudo termina na boca, menina.



E aproveitarei para, com toda licença do espaço, me colocar também nesta lista para fechar a lacração poética sapatônica:



foto: Camila Amores

BÁRBARA ESMENIA substancia as palavras e, em jogos linguísticos e questionamentos da própria linguagem - num exercício constante de busca de descolonização - concatena pensamentos para as escritas dos dias. Lançou em 2016 o livro {Penetra-Fresta}, pela padê editorial (editora artesanal que também é uma das idealizadoras https://www.facebook.com/pade.editorial/). Tem o vídeo-poema Visibilidade Lésbica: Sempre Fomos História (https://www.youtube.com/watch?v=HjtkgomMBho&t=24s)
É praticante de teatro das oprimidas, mantém a página: https://www.facebook.com/penetrafresta/ e o blog: http://barbaraesmenia.blogspot.com.br


[ g o s t o ]


gosto quando teu toque
ultrapassa o mero sentir
e me atinge na inteligência


me masturbo com tuas palavras

e quando concluis uma ideia
chego ao ápice
ao levar-me junta a tal síntese

minha pré-disposição a entender alerta
com neurônios fogosos
excitados de teorias que você mesma inventa

tudo isso porque
- sabe -
que o que abala minha mente
faz gozar meu corpo inteiro




E você, conhece muitas poetas lésbicas? Conte-nos mais, comente com a gente, compartilhe. Vamos ampliar imenso essas indicações e fazer circular nossa palavra poética pra tudo quanto é canto!






quarta-feira, 9 de agosto de 2017

D E S A P R E N D E R A M V O C Ê S



eles tudo buscando o aprendizado
-engodo da fórmula felicidade desconhecida

só que nós: 
é que não

estamos buscando é
D E S A P R E N D E R
limpar de nossos poros cada enjoo imputado-cabeça
disso tudo que vocês chamam vencidas na vida
que vocês passeiam europas e os nortes
e se faz olhar de cima tudo que é corpo que não são os seus

a gente quer esfregar bem a pele
- não pra tirar contornos melaninas diversas
-não pr'afinar os volumes
{ as dobrinhas
{ as grandes mãos indígenas ágeis na caça

é esfrega-e-roça pra tirar todo resquício
-isso tudo escorrendo ralo-abaixo
-isso tudo carcomendo o que natura
-isso tudo bem esgotado qu'está pútrido
[ vocês fedendo tudo de longe,
isso a gente já aprendeu cheirando vocês]

quando vocês dizem ser aprendizado
dizer que ter muitas casas é sinônimo sucesso herança
eu, minha-mente, visualizando lombos surrados nas antigas
- e ainda atuais -
e rejeito esse ensinamento
:: quero desaprender ::

quando vocês dizem ser aprendizado
cursar medicina alto grau universidade
eu que recordo os trotes machistas,
os riscos banheiros racistas,
os maus tratos povo nosso em hospitais
-não, não busco fazer de mim o que é isso
:: quero desaprender ::

quando vocês dizem ser aprendizado
constituir família pai-filho-mãe-filha
eu olho para as minhas
-que são nossas-
e só encontro formas outras
-tão múltiplas
que não contempla esse ensinamento
:: quero desaprender ::

quando vocês dizem ser aprendizado
suplicar reintegração de posse
e dizer que o que é de vocês é de vocês
eu me mantenho no grupo punho esquerdo erguido
cantando que o que é teu já tá guardado,
e o que é nosso,
- são muito mais de 500 os anos -
e na reintegração d'um país no todo
que venha 'demarcação já' cada cantinho de terra que cêis pisam.
isso eu não aprendi com vocês
-essa reintegração terra tomada que vocês reivindicam
::quero desaprender::

quando vocês dizem ser aprendizado
se comportar bonitinho que é no mérito que se conquistam as coisas
eu olho pr'este seu vocábulo colonial
e na palavra conquista
-que é a mesma que tu lança para o jogo do que tu chama de amor
-romântico, ainda-
eu vejo são
PRI
VI
GI
OS
desse corpo crescido bem nutrido
dessa escápula erguida alargada 

e nos corpos dos nossos
-tão mirrados
a gente batalha pra não ser exemplo heroísmo individual,
mas por saber qu'efetiva-se neste país
- que ainda se chama Brasil,
e é com S,
e não está à venda -
haja qu'existam políticas públicas
que se ateiem às reparações
his
ri
cas

e que talvez seja essa
- H I S T Ó R I C A -
palavra que tu não aprendeu
pois no montante do que a colonização te ensinou
ainda acham que vocês sujeitos nasceram-e-cresceram no hoje

e isso,
pode deixar,
eu não quero desaprender
pois é na
H I S T Ó R I A
q'eu encontro exemplos de luta
de todas e todos que
- um dia -
desaprenderam vocês