domingo, 31 de dezembro de 2017

retesar
- pontas cheias -
novamente
os arcos


desde que
aplicação
calendário gregoriano
por cá nos trópicos

o ano
- parece que -
muda
mas por que lutamos
são motivos mesmos


quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

é tão papo
escutar 
escritores dizendo que são escritores porque não sabem fazer mais nada da vida

é tão papa
ouvir
atores dizendo que são atores porque não sabem fazer mais nada da vida

tanta coisa da vida que não aprenderam
porque iluminação da arte
pega
é pra poucos
e dela não se escapa
não

e eu aqui
trinta-e-três - quase e-quatro - anos
sendo poeta e editora independente
mas sendo
tantas outras coisas na vida
- as que sou
e as tantas já sidas -
que este papo "não saber fazer mais nada"
é engodo pra ser descolado
pra gente acreditar em
::
talento
pré-destinação
toque divino
endeusamento
afetação-artística
egoviagem

e eu que já tanto sida
nos corres da vida
:
atendente vídeo-locadora
pesquisadora do metrô de casa-em-casa
entregadora de produtos automotivos
operadora de telemarketing
atendente de livraria
oficineira
programadora cultural
tá é difícil de acreditar nesse papinho
feito por quem garantiu espacinho
come dia come noite
e o que pega
: "ter que ser peão" :
quer aceitar não

porque a gente aprende
na lei da sobrevivência
mundo-capital
tu aprende a fazer o funcional
- tanta conta vencendo
- tanto a cidade exigindo
- tanta barriga sem nada
- tantos os lábios já secos

a gente aprende
não na síndrome
"não sei fazer mais nada não"

a gente aprende
no que trampa mesmo
ainda que tenha por trás patrão


terça-feira, 12 de dezembro de 2017

{ são quatro as irmãs }

foto: Adilson Pacheco

são quatro as irmãs
num total seis somadas a mais cinco guris

sabem ser verão
herdado da façanha mãe-delas | avó-minha
a gerar onze fortes sujeitos chegança ao mundo primeiro quando ela dezesseis anos menina

são verão
mesmo quando montante da vida quis ser rígido inverno
a congelar corpo nutrido 
empalidecer as finanças
esfriar os possíveis

fazem verão
beira-piscina
na ausência de infância passada
: beira-mar
não contemplada em passeios crianças dado custo de vida
- onze pequenos não se carregam assim facilmente pras férias

e são braços que alargam
buscando abarcar extensão de vida
de tudo que nunca coube nas mãos
mas que se amplia em miradas que enxergam ao longe
no além
de

são quatro as irmãs
:
semelhanças se fazem
nas bermudas aquáticas
nas blusinhas-senhoras
nos chinelos à vontade
nas canelas despidas
e
no tanto
corrido nas veias
das histórias já tão
que
- no perto -
são elas mesmas contínuas






segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

ANGELUS NOVUS EM TRÊS MOVIMENTOS + ANTE-SEGUNDO



"[...] Essa tempestade o impele irresistivelmente
para o futuro, ao qual ele vira as costas,
enquanto o amontoado de ruínas
cresce até o céu [...]"
Walter Benjamin


I.
de olhos feitos
| bem abertos |
ao atrás
buscando no antes
- acontecidos tempos -
pulso que desfaz flacidez-decrépita progresso
pra escapar d'ordenado secular mercantil d'vidas
e desaprender histórico criado
há que
:: nosotras mesmas ::
catatonar montante do que contam narrativas
e refazer histórias agora das que vencidas

ante-II.
vanguarda retardatária
- recomendado recusar olhos-adiante
olhos-adiante segredam às vistas o virá destruição

II.
é enxergar no pré
desfalecer existência
de tudo que num tempo
seremos o nada
só-pó esmagado na terra
que é pra semeia
o novo que não é a gente não -

III.
sobrevivida do passado
desafia supraviver é do próprio futuro
quando o dado de que seremos morte
se faz rascunho do que ainda somos vida
-
e d'entonar a cada cântico
saber que dissolvem-se
múltiplos
fragmentado anacronias
pois que do tempo
vivemos
 a torso do barco da História
que
- ao saber catastrofia -
filia à vista um ponto
a ser narrativa
grafia



[ "Há um quadro de Klee que se chama Angelus Novus. Representa um anjo que parece querer afastar-se de algo que ele encara fixamente. Seus olhos estão escancarados, sua boca dilatada, suas asas abertas. O anjo da história deve ter esse aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos progresso" - Sobre o Conceito de História, Walter Benjamin ]



segunda-feira, 27 de novembro de 2017

[ a que serve ]

quem pensou que tudo acabaria num cometa
num vulcão
num raio que o parta
errou

errou porque ainda tem mais pra acontecer
errou porque taí,
vivinho,
com este corpo transitando existência

a língua minha
- que era pra ser pátria -
falhou
| ah, a potência das falhas! |
fez linguadas palavras
que eu não me doo em linguagem

linguagem esta
que é
troca
é roçar língua-com-língua bem mais que criar semânticas
é montante vocábulos soltos
construção de léxico mesmo
- isso tudo que se faz no cerca -
e não no estudo episteme que criam oratórias
retóricas
comportamento falante
que nada entende do que compõe oralidade

linguagem mesmo é ver Inês vasculhando boca sem dente que conta do tanto vivido
é ver Vicência apertar as trancinhas a dizer de tempo menina
é ver seu Dito explicando cadeira-plástico-calçada como era quarteirão que hoje só passa carro

pra tanto conjugar certinho
que bobagem!
palavra é pra comer
digerir
enfiar no cu
que aí brota a que serve
co mu ni ca
as ideias

per ma ne ce





sábado, 25 de novembro de 2017

[ escritas nomes :: ancestrais ]

(escrita tio Cid dada a mim em nosso último encontro - Festa do Rosário dos Homens Pretos, bairro da Penha, junho/2017)

[ escritas nomes :: ancestrais ]

tempo é rega
dando nomes pras carnes que nascenças
- geração trás geração -
a formar conjunto vivente
do que constitui dizer família

do que morta-carne hoje manhã
tio Cid, o mais velho
{ancestralidade pai}

- das sabedorias que confirmam ciclos
- das generosidades de aproximações
- das belezas de vida no singelo
- das pesquisas ancestrais a trazer informes de
quem fomos,
quem somos,
donde viemos

de quando em rasgo-encontro histórico trouxe tio Cid palavras de que ancestralidade Candido, que é pai de pai meu, nasceu em Manga - nas lidas das Minas Gerais - ali margem-esquerda de fortificado Francisco, Francisco; ele, o rio.
e que pai-Candido, Feliciano que é bisavô meu, era é de Carinhanha, terrinha Bahia, também margeado Velho Chico, à esquerda, mais nordeste  - do que vinham rotas-ao-sul até chegada São Paulo; das promessas progresso.
negro ele, retintinho; casado com branca Vicencia, bisavó minha.
da Silva os sobrenomes, pra traçar assim típico-brasil-escravizante nomeando aportuguesa as descendências d'áfrica.
pesquisa atual era ancestralidade mãe, avó minha, Esmenia ela; esse nome meu duplo-acompanhado que impõe potência nos caminhos que fibro. mãe e pai espanhóis, bisas-minhas, cenário Labirinto do Fauno fugidos de lá guerra civil espanhola, chegança interior São Paulo; Avanhandava cidade.

nos quase oitentas
lá vai tu sem vida-carne
mas com tanta vida-rega
fincada na história 
- a prosseguir descendências -

e são tantas bárbaras e rafaels e déboras e luiz fernandos e ivanas e marcos e carlas e renatos e elias e agathas e vanessas e mônicas e betos
que descendência erguida-está
no que 
| contínuos |
seguimos viva/os
a saudar você-histórico





terça-feira, 21 de novembro de 2017

foto: Daisy Serena


não que o retilíneo não nos agrade
- habita nele qualquer coisa de padrão que se faz sufoco pros ondes andamos; pros ondes miramos; por ondes corpóreas qu'estamos
{ vivas
{ firmes
{ inda-pé

desgolpear vistas na secura atrai descolamento-retina a mando tri-ângulos decoloniais
- hay que haver otras miradas
- otras geografias
- otros talhares

não tergiversa viseira quando nós
/ em diágonos /
somos todas
pois que três corpos no espaço
- aquém gravidade -
é sustância pro tempo
fazer dele
nós mesmas





domingo, 22 de outubro de 2017

[ uma mulher no metrô ciudademexica ]

uma mulher a mirar
raio-x maxilar no metrô
desliza olhos atentos à arcada dentária
descobrindo raízes
que sustentam mordidas

uma mulher a mirar
raio-x maxilar no metrô
revela a si própria
face que sobra
quando em corpo decomposto
restado no pós-morte

uma mulher a mirar
raio-x maxilar no metrô
é a certeza de que vida
- essa apenas -
finda nós tudo em ossos e dentes
do que sobra
- resistente -
a permanecer matéria

ainda pouco que seja
feito lembranças
do resto de algo
quando { ela }
não mais
será vida

(09/10/2017)




eu queria escrever um poema estilo Matilde Campilho
teria aquele rapaz caminhando pelo Brooklyn
eu citaria as marcas de cigarro que nunca comprei
seguido de
fugas de corpos
revólveres
retas paralelas

depois eu sairia pelas ruas dirigindo automóveis
contando das coisas que descobri nos fins de tarde
me perguntando se você reparou
nas vitrolas
nos alicerces dourados
e nos tigres asiáticos

enquanto eu folheasse um dicionário de inglês para encontrar algumas sentenças que tornassem cool meu poema

eu queria escrever esse poema
mas no meio da escrita eu encontrei
você

você num cruzamento movimentado no pico do trânsito cotidiano

você entre multidões
- fugas de corpos -
você nua
empunhando cartaz de alguma frase que não me lembro exato contra a censura nas artes

eram tantas
vocês todas nuas e nus
pralém conservadorismo vigente

eu tentando escrever um poema sobre o fraquejar de meus joelhos quando criança de encontro com uma pintura imensa numa sala de museu

mas tinha você
- multidão -
e mulheres que se beijavam pela visibilidade lésbica
seus direitos
e sanção do projeto de lei que institui a data

era pra ser só mais um simples poema
observar a cidade e agradecer à editora 34 por ter publicado Jóquei que parece que me agrada

mas tinha você
: multidão
: corpos nus
: beijos lésbicos
: mulheres negras em marcha
: pauta-aborto de há tempos
: e outras tantas

que os tigres asiáticos
não tiveram espaço nos versos
pois que se mantiveram em Ásia

eu queria escrever um poema
...
mas tinha você
- multidão -
e eu lá junta
: corpo nu
: cartaz empunhado
e
: era em mim seu beijo lésbico dado

(07/10/2017)


[ berlim - ê setembro, 2017 ]

aqui chamam
velho continente

a história contada
ao largo do mundo
no que a faz hegemônica seja;
repassada em escolas tais todas

e olhar essas caras
que não me faz mostra
ancestral de

é preenchido
: desgastes
: valores
tudo que colonizar
chamado foi
- e é -

me impele a saudar
- desde já -
plátanos duma latinoamérica
tão grande-imensa
de passados lá longínquos
a fazê-la
- além de -
território pertinente

que é velho
: sabido
- ô se é -
e consente

aqui chamam
velho continente

renovada se faz
- insolência
com essas caras não-brancas
qu'habitam
: que imigrantes
: que refúgios
há de ser-se pertencentes
no que
- velho continente -
tornou revés
nós
dissidentes


(06/10/2017)



[ poema vertical + deslumbre horizontal ]

[ poema vertical
:
plataformas
elevadores
estátuas
edifícios
postes
de
luzes
árvores
centenárias
todasescadarias

+

deslumbre horizontal ]
:
o mar jorrando aquáticos
toda lembrança que me levava-você

e
nós
esse
fluído
orgasmo
que nunca
verticalizadas
fomos

quando em camas -por-vezes-chãos- horizontar corpos é meta para manter-se em pé nos dias



afagada em ventos
que
é em sopros
que
- dias mais,
dias menos -
lambidas águas
a
mar faz ondinhas
e acaricia
corpo todo que é nosso
: seu
: meu
: composto
de quando nós proa
cria
se multiplica em ondas
e faz nascenças
d'um ponto eis
pralém de bússolas

ainda que
: velas
: timão
: braço leme
me queiram conduzir
eu que non ducor
sigo
do que escape certa
desfaz de toda as ondas

é só meu jeito esboço
que é dado às fugas
quando
des
controla
abismos
e se atira
às cheias

mesm'
a f o g a d a
s
e
j
a

(07/09/2017)


sábado, 2 de setembro de 2017

extensão de mãe
não é meu corpo-filha
ocupando espaços
consistente mundo

extensão de mãe
é quando
e l a
- por si m e s m a -
se descobre
em vida
pralém d'
impulso m a t r i z
há que sendo suas

e
no passo
calço seu
- o próprio dado -
estender-se ela
i n d e p e n d e mim



sexta-feira, 1 de setembro de 2017

pra que
saber
: dos cosmos
: dos equinócios
: dos que signos
: dos astrais

alinhamentos
solares
é quando
seu corpo
p e r i m e t r a l
ultrapassa
distância que mínima
e se faz
- pouso-extenso -
contornando
o que em mim
d e i t o - h o r i z o n t e



sexta-feira, 18 de agosto de 2017

[ vol. iv ]

tecnologia temporal
não faz marco
votado em supremo tribunal federal

tecnologia temporal
redemunha diacronia
e anuncia
início bem antes 1988
desse chão dos tãos quilombos
e das terras mais que indígenas
que do tempo nós sabemos
não na conta seus relógios

os nossos

marcações são mais antigas


#MarcoTemporalNao
#NenhumQuilomboaMenos



terça-feira, 15 de agosto de 2017

12 POETAS LÉSBICAS (VIVAS) PARA CONHECER

Poetas lésbicas contemporâneas existem, escrevem, tecem suas narrativas, falam poemas por aí. Estão vivas! São muitas!
Para celebrarmos e visibilizarmos ainda mais nossas existências e lutas neste mês de agosto (29/08, dia nacional da visibilidade lésbica), apresentamos algumas - entre as muitas, tantas - poetas lésbicas que espalham por todo canto suas palavras potentes, suas escritas sagazes, suas vozes astutas.
Leiam-as, compartilhem suas escritas, curtam suas páginas, adquiram seus livros.
Circulemos a palavra viva!
Circulemos a palavra nossa!

(obs. muitas - tantas, várias - são as poetas lésbicas atualmente escrevendo e reverberando; no entanto foi necessário um recorte para este escrito; este recorte deu-se de modo afetivo a partir de pessoas próximas, amigas dos encontros de abraços e de poesias (por isso quase todas do sudeste; você que lê, encha aqui de indicações nordestinas!). o objetivo não foi de modo algum fazer um recorte vertical. espero que essa escrita seja inspiração para que você que está lendo possa também tecer suas escritas e divulgar mais-muito-mais poetas lésbicas)



12 POETAS LÉSBICAS (VIVAS) PARA CONHECER



crédito: Annie Gonzaga Lorde


NÍVEA SABINO espalha sua voz tão singular pelos lugares em que passa, de um ruído de interior de quem nasceu e ainda vive em Nova Lima, Minas Gerais. Já circulou por diversas cidades e estados fazendo ampliar suas palavras por saraus e slams. Publicou em julho de 2016 seu primeiro livro, Interiorana, pela padê editorial. Diz estar o tempo todo arrodeada de ideias para as escritas. Ideias as quais preenche em blocos de notas do celular para, depois, organizar e está feita poesia! Você pode lê-la no blog:


HERANÇA DOURADA

Foi meu vô
quem contou:

Que por essas terras,
entre congonhas e serras
habitam
imersos às neblinas

Filhos de Nova Lima

Das riquezas
das Minas
ipês e trilhas
qualidade de vida

Essa gente
come quieto e sofrida
carrega
no peito a certeza

Herdam
seus filhos
a maior das grandezas

Não se extrai
de si
a pureza

honestidade

A velha e
boa vontade

Mora nos filhos de Nova Lima
retidão pra seguir a vida
gerações floresceram
das profundezas das Minas



foto: divulgação fb

FORMIGA é poeta dos cadernos repletos de escritos. Saca ligeira como quem saca armas os cadernos da mochila e seja voz solta, seja microfone em punho, seja de megafone em mãos, faz eco alto a poesia se espalhar por aí. Publicou o livreto Eu-Lésbika contendo "14 poemas de sobrevivência favelada", com diz a poeta e você pode baixá-lo aqui:
https://heresialesbica.noblogs.org/post/2014/11/03/livreto-eu-lesbika-por-formiga/ e seguir Formiga no blog: http://aversaopoetika.noblogs.org



Seis Sentidos
especialmente pra Xis
O negrume dos teus olhos me fascina como de costume revitaliza finda toda dor linda cor admiração se canalizam em ardor lábios se tocam em carinhos sábios provocam caminhos em percursos vários é fato experimento teu relevo no meu tato nua que causa a luz da cheia lua calor sem pausa vou que vou de leve essa pele me pede apele mede palmo a palmo intensamente com jeito calmo suspiro profundamente no seu cheiro eu piro e sigo em frente como eu braseiro vou fitando seu modo meigo rebolando tipo uma cuíca quanto mais arrepica mais estridente teu gemido fica é quente o clima vai e vem por cima soa a minha e sua pessoa nessa fusão loka malícia boa delícia é tua boca serpenteia na minha mão está posto sente teu próprio gosto nos meus dedos então teu gozo minha satisfação um querer nada bobo e ai vamo de novo?




crédito: Edith Neves

JOANA CÔRTES é poeta dos cotidianos. Mas não pense você das coisinhas fáceis que qualquer uma saca à primeira mirada. Que nada, não se engane! Joana sergipana capta o cotidiano na sua extração mais absoluta: nas miudezas mesmo, para gerar poesia seja num comentário de foto antiga, seja numa mensagem correspondida, seja numa breve conversa em que você sairá conhecendo menos dela em si e muito mais de ti mesma. Prepare-se!

Um caminho de mesa

feito de mãos a linho ou algodão
aberto e posto em superfície rupestre

tecido natural
vinco corpóreo

forra a parede 

costurado pelas dobras nuas

dos dedos

de dona Isabel 

feirante do mercado municipal de Aracaju


que a esta hora deve ou estar se abanando
ou lendo uma bíblia com páginas de papel manteiga
bem fininhas.

Coberta de fios 
linhas
fé,
algum rancorzinho,
e razão.

(Descoberta)



crédito: Yuri Brah

MARIANA QUEIROZ é das poetas para se conhecer na aproximação, no íntimo. Descobrir seus poemas é deleitar-se em repetições rítmicas que cadenciam sua fala de sílabas bem entrosadas. Nascida em Cuiabá/MT, Mariana atualmente reside em Florianópolis/SC. Acredita que escrever é força para existir apesar de. Sem livros publicados até agora, mas com projetos - tantos - na máquina de costura. Criou recente a página: https://www.facebook.com/Tecituras-110937312906312/


percorro a cidade
do teu corpomulher

lambo tuas ruas
enquanto desvio
do exército armado
que viola as esquinas

percorro a cidade
do teu corpomulher

atravessam-me as
entranhas
semáforos mares
ambulantes
o intenso tráfego
dos teus olhos




foto: divulgação fb

BIANCA GUIMARÃES tem "quase 21" anos, como costuma dizer, todos vividos na terra de arranha-céu que é São Paulo. Conta que começou a escrever já na infância, justamente por se sentir sozinha e invisível por conta de toda carga de xingamentos racistas recebidos desde esta época. Acabou de criar a página Alumbramento Marginal, com o propósito de divulgar seus escritos:
https://www.facebook.com/Alumbramento-Marginal-498295350525170/?pnref=story


portal liminar.
.
ela segura os cigarros como quem segura o meu desejo, com a frouxidão exata pra não deixar escapar da ponta dos dedos. eu que sou dada á vontade de sumir, queria ser fumaça mas, não pra evaporar, só pra entrar e sair, entrar e sair, entrar e sair dela dali. ela tem um portal no meio das costas com entrada pro desejo, gosto de abrir sempre que o vejo. com a língua ou com os dedos dançando de baixo pra cima, de cima pra baixo. vendo chuva sair do paraíso místico dela. mergulhar no jogo do tato, se deliciar com o faro e terminar em falanges.




foto: divulgação

CECÍLIA FLORESTA em algum momento de sua trajetória se deu conta de que o ato de escrever a ajudava a compreender o lado de fora e a limpar o interno. Assim, compreendeu os poderes de cura da escrita. Cecília publicou em 2016 o livro Poemas Crus, pela editora Patuá. Participou da 3ª edição da zine Mais Pornô, Por Favor!, dedicada à poesia lésbica:
http://vodcabarata.blogspot.com.br/2017/03/um-pouco-sobre-feitura-do-mppf-3.html.
A página desconversas afins é sua gaveta aberta:
https://www.facebook.com/desconversasafins


mês oito

agosto não é
um mês desgostoso para nós
talvez pros outros

dia qualquer, agosto
te escrevo um poema
pra destemperar a língua
que te pinta insosso
pois que carregas os nomes
das minhas irmãs
& as pesadas palhas
do meu orixá de cabeça

31 dias amenos
compõem o seu corpo
pra lembrar dos outros trezentos
e tantos dias em que permanecemos visíveis
nos muros ruas calçadas das cidades
goste ou não a normatividade

agosto é um mês de luta
de rixa a favor de nós
& que se gastem os outros

mas agosto
não se esqueça:
apesar do variado de seus gostos
todo dia eu acordo sapatão


crédito: Andréa Magnoni

RAÍSSA ÉRIS GRIMM é de Florianópolis, escreve desde os 14: "comecei a escrever pra expressar meu amor" e segue escrevendo até hoje, aos 32 anos, como um processo de, em suas palavras "entender minhas emoções. Principalmente depois que me assumi sapatão e trans". Até o momento publicou a zine Beijos de Fada e você pode ler seus textos no blog:
https://sapaprofana.wordpress.com/


"Somos todos pessoas",
mas meu nome não é esse
que você falou.

Tua piada
não me fez rir,
e esse fiu-fiu que é leve nos teus lábios
chega feito medo 
no meu baixo-ventre.



"Somos todos pessoas",

mas eu que sigo apagada,

diante da tua presença:

voz sempre ouvida,

palavra lembrada.


Tua ciência
demarca fronteiras
a corpos e mundos que eu não habito -
tua fé segue clamando
por uma pureza e salvação do espírito
onde sou maldita.

"Somos todos pessoas",
só que eu não sou parte desse 
todo
uma vez que minhas cicatrizes
invisíveis à luz conveniente dos teus olhos
marcaram-me
toda.




foto: divulgação fb

GABRIELA POZZOLI CAVALHEIRO diz que foi criada no meio da roça entre bichos de Embu das Artes e natureza de Cotia. Aos 26 anos, escreve desde quando se conhece por gente, o que diz ter discordâncias, já que "muitas vezes nem por gente me conheço". Nas palavras de Gabriela, "escreve, principalmente, porque a voz repercutida na cabeça insiste em gritar, sair, dar pirueta e fazer rodopio, insiste em não ficar quieta, calada, gritando, vociferando, esbravejando, e por vezes, doce em sussurros e suspiros. por que além da voz tem a caneta e o sentimento, e uma vontade que não se cabe em si". Pretende publicar livro logo menos e por enquanto é possível lê-la em seu perfil no facebook e também em: http://pozzolig.wixsite.com/sereiamante


corponhecimento

aprender
a descobrir
sozinha
todos os sons
e arrepios
que sua mão
é capaz
de tirar
de seu corpo
para que ninguém
possa te surpreender
com gemidos
que te sejam estranhos
entendendo todas notas
graves e agudas
moduladas
em todas tonalidades
para que ninguém
possa improvisar
sobre tua carne




crédito: Juh Almeida

TATIANA NASCIMENTO (DF) é das escrevivências desde há muito, amalgamando canções (confira Meio Beat Meio Banzo: https://www.youtube.com/watch?=gXsjYxbFNcU), organizando saraus e corres pra movimentar a poesia falada: a sua e a de outras minas negras no projeto Palavra Preta - Mostra de Autoras Negras (https://www.facebook.com/mostrapalavrapreta/). Movimenta também a poesia escrita sendo uma das editoras da padê editorial (https://www.facebook.com/pade.editorial/), mesma editora pela qual publicou seu primeiro livro: lundu, (2016). Leia-a em: https://palavrapreta.wordpress.com/ e 


841 (lauro de freitas não é vilas do atlântico)
peguei seu ônibus
preferido
te mandei um beijo
no vento
guardei seu dendê
no meio das coxa
(era a curva equidistante quando a noite come o dia atrás do mar,
em cima da ilha de itaparica)
peguei seu ônibus
na curva
te mandei um beijo
no meio das coxa
guardei seu dendê
preferido
(era o vento equilibrante quando a noite cobre o dia atrás do mar,
em cima da ilha de itaparica)
guardei seu beijo
preferido
te perdi no meio das coxa
(ou no ônibus)
o vento cheira dendê,
saudade (y
y carnaval)
na bahia

foto: divulgação fb

LAILA OLIVEIRA é paulistana de 28 anos e pratica a escrita desde a época da faculdade de jornalismo. Com este impulso, lançou o livro independente Crossdressers (2011), livro-reportagem sobre homens que se identificam com o vestuário dito feminino. Atualmente escreve poemas na máquina de escrever e distribui nas ruas como forma de sensibilizar e dividir vivências. Criou recentemente a página Minudências ; Acompanhe aqui: https://www.facebook.com/lailaminuds/
aquosa

todas as águas se encontrariam
numa mistura adiavelmente inevitável

intenso 
confronto 
rochas, margens 
ph duvidoso

fases da lua
equinócios 
massa líquida 
junção


amor cheia de maré
energia das ondas
abalos sísmicos


filtrada
ebulida
evaporada


precipitei tantas vezes em você
que acabei penetrando absorvida 
no íntimo do seu lençol freático.




crédito: Deni Chagas

MAYANA VIEIRA começou este ano a organizar o Slam do Grajaú, na zona sul da cidade de São Paulo. Atualmente com 21 anos, diz ter encontrado na escrita "uma forma de ser ouvida e de existir; escrever pra mim é vômito, é grito". Com livro no prelo (lançamento previsto para este segundo semestre de 2017), Mayana publica seus escritos na página Motumbá: https://www.facebook.com/vieiramayana/


Libido IV
Tudo começa na boca, menina

E espalha em meu corpo esse desejo sem controle

Rouba-me a razão

E me entrega ao outro lado,

Os corpos despidos em confronto

É a minha coxa

A tua coxa

As pernas entrelaçadas e o ofegar da respiração!

Esses movimentos circulares de dedos molham-me o sexo, menina

É esse vai e vem...

Vem e vai...

Entra e sai...

E tudo termina na boca, menina.



E aproveitarei para, com toda licença do espaço, me colocar também nesta lista para fechar a lacração poética sapatônica:



foto: Camila Amores

BÁRBARA ESMENIA substancia as palavras e, em jogos linguísticos e questionamentos da própria linguagem - num exercício constante de busca de descolonização - concatena pensamentos para as escritas dos dias. Lançou em 2016 o livro {Penetra-Fresta}, pela padê editorial (editora artesanal que também é uma das idealizadoras https://www.facebook.com/pade.editorial/). Tem o vídeo-poema Visibilidade Lésbica: Sempre Fomos História (https://www.youtube.com/watch?v=HjtkgomMBho&t=24s)
É praticante de teatro das oprimidas, mantém a página: https://www.facebook.com/penetrafresta/ e o blog: http://barbaraesmenia.blogspot.com.br


[ g o s t o ]


gosto quando teu toque
ultrapassa o mero sentir
e me atinge na inteligência


me masturbo com tuas palavras

e quando concluis uma ideia
chego ao ápice
ao levar-me junta a tal síntese

minha pré-disposição a entender alerta
com neurônios fogosos
excitados de teorias que você mesma inventa

tudo isso porque
- sabe -
que o que abala minha mente
faz gozar meu corpo inteiro




E você, conhece muitas poetas lésbicas? Conte-nos mais, comente com a gente, compartilhe. Vamos ampliar imenso essas indicações e fazer circular nossa palavra poética pra tudo quanto é canto!