sábado, 27 de dezembro de 2014

VEIA MINHA

Crédito: Fábio Feltrim

Minha veia artística
é artéria aorta

Bombeia fôlegos entre as camadas,
Pulsar de sangue nos poros quentes,
Correr de fibras fortalecidas.

Veia artística minha
é a velha aorta

Pico de artes nas veias grossas,
Seringa inflada contaminaccio,
Fina agulhada penetrar fundo.

Veia minha artística
é a vero aorta

Essência-sopro de mim respiro
Raiz d'artérias distribuídas
Caixa torácica ventricular.

Bombear d'esporo-reesperança,
Jatos d'estímulos nos braços quentes,
Ânima-vita vigiar constante.

Desafios meus seguir pulsando,
acreditar - bom funcionar,
no que não miro - meu eu interno,
no que me iludo - meu corpo externo,
 Rasgar por dentro - líquidos-jatos.



quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

CORRESPONDÊNCIA PARA ANA CRISTINA CÉSAR



Querida Ana,

cheguei em casa mais cedo ontem e desde então me tranquei no que não cabe no mundo.
Não sei agir na precisão do resumo contido que você me oferece.
A prolixidade me toma forma tal que desato na persistência das palavras.
Fiz amizade com uma nova garota e desde então não paro de atentar-me aos seus movimentos internéticos.

A vida é acelerar.
Meu corpo batida discorrendo sobre as possibilidades do porvir.

Ouvi boatos de que você deslizou saboneteira abaixo.
Não acreditei nisso tudo.
Cerrei meus olhos-luz que enxergavam a notícia-fato na tela.

Voltei ao livro teu que me vale bem mais que sua vida real.
Me desculpe, bela Ana, mas é para isso que serve a literatura. A vida escrita tanto-fazendo a realidade vivida.

Sua profundeza merecendo bem mais do que abismo-abaixo a janela revela.
Meu corpo-parapeito esperando seu corpo jogar-se que te agarro.
Pula.
Pula de quina na vida que finda; a poesia, ela há de ressuscitar-nos.





terça-feira, 2 de dezembro de 2014

DA INSUPORTÁVEL DESTREZA DAS COISAS NÃO DITAS


O que eu digo não importa.
O que importa é a consistência do meu peso,
meu braço pendente forçando sua nuca.

O que eu digo subimporta.
Meus lábios sem fala,
quietude-abismo da mudez vingativa do que - tenso - não solto.

O que eu digo desimporta
- é meu eu dos dizeres, frases de amantes narrativas -
espécie de pouso mudo nos toques que não encontro.

Das coisas ditas de importância restaram-me somente três:
silêncio,
calância
e
zumbido

Do silêncio aprendi com as maritacas:
para saber quando irritam, é preciso compará-las ao não-som, à ausência do volume notado.

Da calância articulei com os belicosos:
cada gesto de meu corpo representa a prontidão precisa do alerta a qualquer instante.

Do zumbido desaguei com os canos:
a água borbulha-pressão na espera; os dedos que abrem torneira esporro.

Repara bem no ambidestro silêncio.
Pois o que já digo é matéria de banalidades cotidianas.



segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

MOVIMENTO ATERRO - 1. DE PELE, APELE



a pele que rasga
a couraça ancestral
depara-se
- ao findar jornada -
com o rusgo fosco
de secular memória.

a pele apelo,
do brado guerreira,
da vida estribeira,
beirada
às vestes,
batida-estaca
folguedo
cessante,
tambor trovejante
de vidas
agrestes.

a pelo desnudo
de quem
- corpo erótico -
meus traços 
confundem
as riscas maternas.

Fincadas na vida,
do escovar
contrapelo,
de gritos griôs,
nas margens
da História. 

apele, ayo,
se marque na vida
lutando nos dias
opressões clandestinas.

não fui eu quem escolheu pele assim.
pele rota, pele cinza,
pele broto.
virgens toques.

antes a pele corisco,
pele vermelha,
negrume da noite.
terra batida.
retiro xamânico,
corpo fechado,
pele candente.
pontuda, queimada,
lusco-fusco alumia.
pele reforço,
terena,
xavante,
ticuna,
kariri,
caxinauá,
kaingang.

aciono caciques,
mães fortes da selva,
na mata ancestral,
fortalecem terreiros.
nem vem, estou plena.
não cutuca, desconhece.
não me mexe, sou antiga,
se me toca, couro aquece.

ainda
há pele

ainda
há pelo

no todo
APELE

Terras nossas.
não desterros.