quarta-feira, 23 de julho de 2014

MOVIMENTO DAS ÁGUAS - 1. ESCORRE

E se corro
é que o mar em mim
há revolta
há urgência.

Despenteia os corais
rompe areias arenitos
grãos finitos pedra calcário
rochas mármore telha nas coxas

Quebra imagem da santa
Enfeita as mandingas.
São flores nas ondas
batismo
odoyá

Água que vomita em mim
não guenta olho meu nas vielas dos guetos

É recife de lá - eu cá não me arrisco

Se corta as vagas,
come fibras,
nutre artérias,
sente as conchas
- não há pérolas

Que resta eu emaranhada das redes?

Pescador, vem cá buscar o que te sobrou

Pescadora mulher não se encontra
-é coisa de homi, é?
-Puxa as redes, mulher que segura
corta as espinhas, descama mãos firmes
serve à mesa família todinha
homem na rede
mulher limpa-lava-seca-cozinha-é-mais-uma

Recua ligeira que as ondas já voltam

Não,
não aprendestes a nadar -
se flutuar foi preciso
navegar tornou-se um risco 

Mar revolto:
quem foi que te assim fez?

Vida esqueceu foi de remar
Afogou primeiro metro
entupiu veias das bílis
respira mar
pulsoceano

lá vem ondas
veleiros
náuticos
brisa das vagas
ventos convulsos

Desce pedras
beira montes
corta rusgas
rasga mangues

Cupins de mateiros
caçando fugidos
é fogo no mato
cachorro que late
combate inimigo

roça primária
de mar
há estrada

léguas sem fim
cor
é
mar-fim

caminho que corta
afoga
afaga

Batidas gole a gole
da represa que é senão

- se seca
- é seca
- não cessa
- resseca

Boiar.

Boiar sempre.

Como quem num fôlego só
rechaçasse a imensidão.


quinta-feira, 3 de julho de 2014

SUBITAMENTE


Medi todos os tamanhos
a fim de adequá-los ao que melhor me cabia.
Vivi, revi, transvi
cada retalho que se tornasse um tampo seguro às minhas medidas.

Demasiada,
fiz o justo exercício das medidas justas:
não pelos excessos,
mas somente pelo o que me cabe.

Recortei as brechinhas e cheguei à você.

Você-emenda certinha em minha dimensão.
Você-manto quente quando sopram os ventos do sul.
Você-aconchego quando me guarda, me olha, acalanta.

Costura eu com tu que o balaio agita.
Cose as arestas, apara as rebarbas.

Costura infinita de linha que não acaba,
agulha que não finda,
carretel pro além céu.

Chega juntinho que o ponto não cega.
Vem cá pertinho que o nó não é cego.

É ponto-nó firme que permanece no tempo-espaço.
Ponto fechado, apertado,
feito candor de candeeiro velho.

Por tudo,
por ora,
por tu,
é agora,
é você 21,
é mais um.

Eu,
que
sigo
nesse
balancim
bom.

Me
embala
doce
que
a
vida
é
rede.




terça-feira, 1 de julho de 2014

PARA WALY MARUJEIRO DA LUA

Fronteira é linha demarcatória;
Espaço-limite de um não voltar.

Mística solar que recebe os sinais do asfalto.
Racha de quente,
queima a sola,
Solo infértil de piche-concreto.

Assim meio a meio,
meia divisa - hemisfério norte -
meia divido - hemisfério é sul -
 traço riscos,
fixo territórios.

Aqui não há pecado,
A vida é fronteiriça.
Limite da espera.

_______________Cruzamos a Linha do Equador________________

Não fosse eu nascida e criada nas demarcações de meu corpo
o quanto de fronteira posso ter em minhas veias?

Fronteiro meu corpo a quem não me alcança.
No ponto fraco que sou tu não me tocas,
A fronteira está fechada,
você não me corrompe.

Mas sou fronteira-aberta a quem sinto no toque,
àquelas que bem sabem como a mim chegam,
acariciam,
me olham à espreita,
demarcam seu gosto nas riscas de meus limites.

Ser fronteira;
extremos chamando extremos,
momentos gritando por gozos,
abismos dispersos,
tiros incertos,
rabiscos diretos.

Além
traços,
mantém
riscos.
Aos
poucos
vão
se
criando
alguns
dísticos.

[escrito após assistir a "Pan-cinema permanente", direção: Carlos Nader, 2008]