sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

crédito: Aline Oliveira

eles se beijam

numa esquina meia-luz no Arouche
há dedos colados nas nádegas

eles não é

homem y mulher
nessa que dizem
ser o correto plural da gramática

são dois os homens mesmo

que encontram possíveis uns beijos
no entre árvores do largo habitado mais homens

num lado outro

travestis conversam à beça
é domingo à noite
elas sabem que o tempo não para

-que bom vivermos em doismiledezessete

você me diz riso reto
-não esqueçamos operação tarântula
te respondo quase seco
-nem operação sapatão
você retruca no ríspido

mas acontece

que nós duas somos mulheres
e do outro lado rua
afoita você esbarra alguns dedos em minha nuca pelada.
o próximo de teus peitos quase de frente aos meus.

olhos farejam prum lado

olhos farejam pro outro

y só encontramos espaço seguro

de nos beijarmos bochechas os rostos.

enquanto se vai transporte o busão

eu te aceno

tal qual amigas que

-também-
somos.






{ ≈ dí¶tic∅ d∆ m∆t∆ ≈ }
¥¥
o tempo
_que cíclico_
arrodeia em bocadinhos
de escutas
y
esperanças
porque sabe que ele
_fincado na história que é_
não acaba que nunca,
sobrando findar
é pra gente-pessoa mesmo;
decompor da matéria,
esgotar dos perrengues.





{ ≈ dí¶tic∅ d∆ m∆t∆ ≈ }
¥
não há memória antiga
que permita esquecimento histórico
no pra sempre
já que
circula circula circula
(na fala)
em tempo-sábio cíclico
y revive
como reminiscência
em tempo presente
mesmo.



{ notas para uma escrita: referências positivadas y construção de novos imaginários }



{ notas para uma escrita:
referências positivadas y construção de novos imaginários }

elaborar uma poética que caiba no inteiro da boca. não nela fechada, hermética, congestionada impenetrante.
mas ela saliva, deslizando entre dedos, gengivas, falanges, escorrendo nos grandes lábios.

elaborar uma poética que me forneça léxicos para dizer que te desejo e/ou que te amo y que não sejam eles os mesmos do qu'escutamos nos padrões da heteronorma.
elaborar uma poética que construa seu tempo - próprio - de te lamber cantos-corpos numa nossa frequência do que podem duas ou mais mulheres tão juntas.

que nada tem a ver com o referencial da tevê, dos pornôs, de tudo que é criado sem ter nós como sujeitas de fala ativa.

elaborar uma poética em que teu cotovelo roçando a quina de meu joelho esquerdo ou meus dentes enroscados no eriçar dos pelos de teu sovaco tenham o peso da mesma semântica de quando você - na tua - se faz liberta sem mim por aí y transita os caminhos y encontros que bem queira. sem que nos corroa o ciúme, a possessão, vigilância, desconfianças.
esses são léxicos do patriarcado.

elaborar uma poética que destrone os formatos, que abale o que está dado, que questione qualquer "as coisas são desse jeito" ou "sempre foi assim".

elaborar uma poética que seja própria da gente mesmo. que configure o que é amor sapatão. quase nada referenciado na história, pouco narrado em registros pros tempos, invisibilizado no que vemos até hoje, cabendo - nós mesmas - construirmos o que é isso.

elaborar uma poética que remonte as sintaxes. que reinvente as palavras. as junções no formato das frases.

elaborar uma poética que gere episteme. y que possamos - ela e nós mesmas - construirmos legado a todas aquelas que depois de nós virão.




Sarau Atômica - Maceió/Alagoas


Y foi realizado o primeiro Sarau Atômica, na parceria Coletiva Atômica y Casa Sede, ambos de/em Maceió, Alagoas.
Na ocasião, muitas falas-mulheres, poesias, escritas, encenações, danças, coragens y afetos.
Pude cruzar um pouquinho mais desse imenso Brasil e lançar mais uma vez meu segundo livro "Tribadismo : mas não só - 13 poemas a la fancha + 17 gritos de Abya Yala" (se você não tem, só pedir!)

Foi bonita a festa!

Agradecer e abraçar as guerreiras que levantaram o rolê: Yolanda Ribeiro, Mirella Pimentel, Tayná Nogueira (Coletiva Corpatômica) Wanderlandia Melo y Natali (Casa Sede).
Y todas presentes!





Tribadismo: mas não só

crédito: Daisy Serena

"Tribadismo, mas não só. que é esse título dado ao meu segundo livro de poemas. que tribadismo é sexo tesoura roça-roça entre mulheres. que mas não só é porque não é apenas sobre com quem se deita, quem se beija, com quem se transa. que tribadismo, mas não só, é que ser sapatã anuncia um estar no mundo em busca des-referenciada do acúmulo que a heteronorma imputou sobre nossas corpas. essa que digo que é na pós-colonização de todo um Abya Yala que nem tinha aqui essas normativas não. que é ser consciente do aparato estatal e também privado a regular nosso compromisso com a gente mesma. que mas não só é porque há que interseccionar sempre o que é essa de ser sapatã; afinal, se é, ainda, indígena, negra, em situação de rua, pobre, favelada, nordestina, que não performa feminilidade, tudo isso são identidades perceptíveis a alterar os graus de violências para com as corpas, para com a gente, para hierarquizar quem morre primeiro, quem sofre mais no caminhar das ruas. estejamos atentas.

é tribadismo sim - e adoro como a gente roça, como a gente ama, como a gente se toca, como a gente fode. mas é também não só".

Esse relato faz parte da aba que a escritores Gabriela Soutello abriu no Instagram para que nós, lésbicas e bissexuais, tenhamos mais um espaço de troca. Para criarmos, juntas, referências.