O amargo santo da purificação - Uma visão alegórica e barroca da vida, paixão e morte do revolucionário Carlos Marighella
-teatro de rua representado pela tribo de atuadores Ói nóis aqui traveiz*, no Acampamento nacional do Levante Popular da Juventude, no dia 02/02/2012
É a segunda noite no Acampamento nacional do Levante Popular da Juventude, ocorrido em Santa Cruz do Sul-RS, entre os dias 1 e 5 de fevereiro deste ano.
Próximo ao horário de início da peça eu já me posiciono perto de um grupo de atores e atrizes que se preparam para atuar. Alguns/mas movimentam seus corpos em alongamentos, outro/as ajeitam suas perucas e um mais à frente comunica-se por rádio com o diretor e o outro grupo há muitos metros de distância.
Dirigo-me à metade do caminho, já prevendo o encontro dos dois grupos. Jovens de todo o país - estiveram presentes delegações de 17 Estados - se aproximam. Alguns (muitos) posicionam cadeiras no canteiro e se sentam. Logo penso que isso não dará certo: -É teatro de rua, um círculo se formará ou seremos convidada/os a caminharmos com o espetáculo.
Lá vem elas e eles! De um lado uma cantiga italiana dançante, de outro um canto africano. Alguém me pergunta: -O europeu e o africano. Mas cadê o indígena na formação do Brasil? Eu respondo não ser a formação de todo o Brasil e sim de um brasileiro, Carlos Marighella, filho de pai italiano e mãe filha de negra haussá.
Com o encontro dos grupos, a roda logo se forma com cada vez mais pessoas chegando em meio às músicas cantadas.
Passamos pelo jovem Marighella e suas influências recebidas na Bahia com as festas populares, a capoeira, a mistura religiosa, seu ingresso bem jovenzinho no Partido Comunista, o período Vargas e sua primeira prisão.
O grupo, apresentando excelente pesquisa sobre o militante revolucionário, foi muito feliz ao descartar discursos políticos como palavras de ordem a serem soltas no público, optando por um caminho mais belo de musicar poemas de Marighella, acrescentando certo lirismo à sua história de luta. Em meio àquela/es jovens comprometida/os com as causas sociais, não foi difícil vê-los cantando junta/os com as/os atrizes/atores o poema mais famoso de Marighella, Liberdade.
Não ficarei tão só no campo da arte,
e, ânimo firme, sobranceiro e forte,
tudo farei por ti para exaltar-te,
serenamente, alheio à própria sorte.
Para que eu possa um dia contemplar-te
dominadora, em férvido transporte,
direi que és bela e pura em toda parte,
por maior risco em que essa audácia importe.
Queira-te eu tanto, e de tal modo em suma,
que não exista força humana alguma
que esta paixão embriagadora dome.
E que eu por ti, se torturado for,
possa feliz, indiferente à dor,
morrer sorrindo a murmurar teu nome
Entre risos e piadas, passamos pela divertida cena do encontro do eterno casal Marighella e Clara Charf, chegando enfim ao tenebroso golpe de 1964, intensificado pelo AI-5 quatro anos depois, em 1968.
Olhares atentos de espectadores militantes, muita/os vestindo suas camisetas estampando Che Guevara, MST, MPA, luta feminista, Não aos agrotóxicos, além do mapa do Brasil escrito Levante popular da juventude e carregado por um/a menino/a, observavam espantada/os as cenas de alusão à tortura e confinamento.
No ar o clima era de compaixão e revolta.
Foi com a bela aparição da metáfora da liberdade - uma atriz vestida de branco, carregando uma bexiga vermelha - que cresceu em nossos corações a esperança e a validade da luta enquanto inspiração de que vale a pena à toda/os aquela/es que militam e estão dispostos a transformarem o que aí está posto.
Com tanta energia pulsando no momento final da peça, e com tantas pessoas ali naquele momento ansiosas por "fazerem a revolução", foram muitas as palavras de ordem gritadas e recebidas com as vozes embargadas junto aos punhos esquerdos erguidos dando socos no ar.
Carlos Marighella! Presente! Presente! Presente!
Ali, mais uma vez, Marighella (re) vive (u)!
*grande foi minha felicidade em poder assistir a uma representação do Ói nóis que tanto li em minhas pesquisas sobre teatro de rua. Obrigada tribo!
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