terça-feira, 31 de janeiro de 2012

ABRAÇO CAIO FERNANDO ABREU E JUNTOS SOMOS CONDUZIDOS AOS PORÕES MENTAIS

Pois bem, não sei por onde começar. As palavras pedem para sair mas não sei se posso com elas. Tenho medo. Muito medo. Ao passo em que eu as expire, ficarei vulnerável a todo tipo de opiniões, conclusões, exaustões, satisfações, ões, ões , ões. blá blá blá alucinado de seres que estão sempre por via de se expressar.

Por que esta tal liberdade de expressão se nenhum dito cidadão consegue exercê-la de forma... de forma o quê? Porque me expresso e desta forma aqui enquanto escrevo, exerço também meu massacre linguístico. blécate! Antes eu não tivesse nada, antes esta necessidade de escrever não ousasse se travestir em garota elegante para me atrair.

Mas não era nada disso que eu queria escrever, grande equívoco. Abri este escrito somente para falar, despejar, informar, vomitar sobre o susto seco que tive, o grito sufocante que me apavorou.

Eis que conheci Caio Fernando Abreu.

Eis que minhas mãos viraram folha por folha de seu livro degradado.

E olha que comecei já por um livro maldito. O tal do Ovelhas negras que reúne escrito abandonados por ele ou censurados e, portanto, nunca publicado antes.

Ele já inicia o prefácio justificando-se com Clarice Lispector:

"Por que publicar o que não presta? Porque o que presta também não presta. Além do mais, o que obviamente não presta sempre me interessou muito. Gosto do modo carinhoso do inacabado, daquilo que desajeitadamente tenta um pequeno voo e cai sem graça no chão".

Identifiquei-me. Sempre caio no chão. Eu acabada desgrenhada desajeitada desavoada despenada ada ada ada

A violência da escrita, o pornográfico, o chulo, a linguagem maltrapilha, o desvirtuamento das regras... foi o soco que eu precisava levar para revirar minha vidinha e pensar :

- Porra, cacete Bárbara, para onde estamos caminhando nesta merdinha de vida de merda?

Deu vontade de abraçar Caio num quartinho de albergue sujo fedido drogado em Londres e ali passar a vida e ali transcender à matéria e ali fechar os olhos e ali negar e ali cuspir na podridão da cidade e ali ter minha overdose e ali desnudar-me e ali desvirginar-me e ali jogar-me do prédio me me me é tudo eu me mim invadindo-me (me) vida fodida podre garota bosta arrancada às forças e ficando às traças ramelentas.

-Caio, ontem, tempo passado, desconheço-te!
-Caio, hoje, tempo presente, eu te amo!
-Caio, amanhã, tempo futuro, seremos nós a tentar buscar procurar implorar por um pouco de
-Caio sempre, agora, já instante-já, habita-me.
Caio invadiu-me nesta última semana de abril e em reverências eu só pude agradecer esta força narrativa.

E roubando fôlego para prosseguir e engolindo a pancada seca e disfarçando o golpe da leitura no meio da multidão metropolitana nós dois eu você a metade de mim - oh pedaço de mim; oh metade afastada exilada arrancada amputada adorada de mim - nos encontramos.

Vamos Caio, fale por si:

"Olha, eu estou te escrevendo só pra dizer que se você tivesse telefonado hoje eu ia dizer tanta, mas tanta coisa. Talvez mesmo conseguisse dizer tudo aquilo que escondo desde o começo, um pouco por timidez, por vergonha, por falta de oportunidade, mas principalmente porque todos me dizem que sou demais precipitado, que coloco em palavras todo o meu processo mental (processo mental: é exatamente assim que eles dizem, e eu acho engraçado) e que isso assusta as pessoas, e que é preciso disfarçar, jogar, esconder, mentir. Eu não queria que fosse assim. Eu queria que tudo fosse muito mais limpo e muito mais claro, mas eles não me deixam, você não me deixa"

"Chorei três horas, depois dormi dois dias. Parece incrível ainda estar vivo quando já não se acredita em mais nada. Olhar, quando já não se acredita no que se vê. E não sentir dor nem medo porque atingiram seu limite. E não ter nada além deste amplo vazio que poderei preencher como quiser ou deixá-lo assim, sozinho em si mesmo, completo, total."

(escrito por mim em 30/04/2008)

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