SEJA BEM-VINDA/O AO BRASIL
(Je vous salue, Sarajevo; de Godard; revisitado)
“Dito em boca de evangélica, Deus é amor ao próximo, mas Deus também é justiça. Ela-justiça não é afago superado pelo amor, é ventríloquo, carregada por um anão primário não podendo ser visto por ser feio. Mas não antecipe interpretação, ele articula os movimentos do mundo, ele rege dinâmicas protoexistentes. Pois há uma episteme LGBTfóbica e uma episteme libertária. Ancestralidade pentecostal é a episteme LGBTfóbica. E ancestralidade a.C e d.C é a episteme libertária. Todos falam a episteme LGBTfóbica: Sodoma e Gomorra, versículos no Velho Testamento, conversão, redenção, família, exorcismo social. Não se fala a episteme libertária. Ela não é dita, é escrita: Audre Lorde, Raíssa Éris Grimm. É composta: Linn da Quebrada, Krudas Cubensi. É pintada: Tee Corinne, Frida Kahlo. É filmada: Zanele Muholi, Yance Ford. Ou é vivenciada, e se torna a arte de viver: Levante ao Ferro’s Bar, Stonewall, sobrevivência de penas de morte em diversos países de África. Então a episteme LGBTfóbica, de ancestralidade pentecostal, quer organizar a morte da episteme libertária, de ancestralidade tanto antes quanto depois do Cristo, que ainda rexiste. Quando chegar o momento de saber quem caminha ao lado, com ela/es apertaremos as mãos. Ando vendo tantos dizerem me querer bem e votando na minha própria morte”.
[abaixo narração traduzida do vídeo de Jean-Luc Godard (1993):
“De certa forma, o medo é o filho de Deus, redimido na noite de sexta-feira. Ele não é belo, é zombado, amaldiçoado e renegado por todos. Mas não entenda mal, ele cuida de toda agonia mortal, ele intercede pela humanidade. Pois há uma regra e uma exceção. Cultura é a regra. E arte a exceção. Todos falam a regra: cigarro, computador, camisetas, TV, turismo, guerra. Ninguém fala a exceção. Ela não é dita, é escrita: Flaubert, Dostoiévski. É composta: Gershwin, Mozart. É pintada: Cézanne, Vermeer. É filmada: Antonioni, Vigo. Ou é vivida, e se torna a arte de viver: Srebenica, Mostar, Sarajevo. A regra quer a morte da exceção. Então a regra para a Europa Cultural é organizar a morte da arte de viver, que ainda floresce. Quando for hora de fechar o livro, eu não terei arrependimentos. Eu vi tantos viverem tão mal, e tantos morrerem tão bem.”