sábado, 26 de dezembro de 2015

BORDUNA CURARE [poema para um museu em chama; fogo; lume]


ardeu

ardeu-me
a língua
em
que
chamas
portuguesas

ardeu em histórico
meu pátrio falar lusitano

ardeu-me
esta fala
de dizeres dominantes
de louvo dalém mares
esta métrica dos escritos
de bem poucos proparóxitos
este enroscar de línguas lambidas
de beiços das casas grandes

ardeu,
mas ardeu foi pouco

o qu'arde mesmo
é histórico não lembrado

é contar
- e sempre,
e todo,
e ainda -
as histórias
dos colonos
destes que chegam de lás
e cortam fios de teceres ancestros

arde mais em mim
fala não sempre
tupi

cadê sons
estes nos dias
cadê nomes de bandas, livros
estampas nas camisetas
escuta de sempre em rádios
falas em tevês que não vejo

grita tupi
grita que
quer
viva
em
falar-vocal
mas qu'assassinada
em palavras
portuguesas
agora quer mais que chama
agora quer mais que arde

- me chama, guarani -
já que arde agora
chama revolta
de fogo floresta

porque a mata
a mata sabe bem
a hora que queima

sabe bem
a hora de agir

sem desespero moderno
sem corrida neoliberal

e se mantemos
esta história
sempre às vias
destes que se dizem poderes
aguarda sim
que o que arma
leis naturas
tu nem percebes quando chega fulminante

chega ardendo mesmo
devastando
o que passa
em
frente
pra queimar de todo

retornar
que
em
viver
d'
raízes

minha língua?
só um membro disposto à fala do que aprende nas trocas

meu reconhecimento língua não esta que fala violada
língua apenas herdada
- mais uma do conceito herança que nunca pedimos -
língua chegada em arrancos nos troncos
em espalmadas nas costas
em estupros nossos corpos mulheres

língua usada no mandar
no gritar
no xingar
no pega ela

língua estúpido ibérica coloniza

cadê

cadê agora o choro das labaredas?

o que quero é museu da língua origem
é museu d'oralidade
de registro
identitário

quero ver o dia
em que não precisaremos chorar
o que é chama dos colonos
- construídas braçais trabalhantes -

quero ver o dia
em que a chama que queima
será a chama de um grito
que chama flecheiros
coral
ventania
cocar

na ponta da lança
borduna
curare




segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

SENTIDA


esse sentido de dentro
materializa-se em gestos
em fôlegos zagaias
em peitos de flechas

transforma o que é corpo
em
cardumes disformes
do que nem que sabe
- sendo eu -
si do mesmo

esse sentido que é vento
- já foi mata um dia -
engolidas das moscas
caçadas c'as sapas
camuflas em folhas
de louvor d'Ossain

tu nem sentes o quant'é profundo
- sendo meu -
si'm mim mesma
- d'o sentir lapidado -

esse sentido parado
- estanque,
catártico -
são meus de momentos 
do que vivo e que sinto
- movimentos pra dentro,
par'além das vivências -

mas
se se apegas
nas vivas
atende pedintes
dorme d'onças
madruga petecas

sacolejo qu'é firme
de moça qu'é mesmo
destas que namoradeiras
desacanhos da vida

isso tudo,
- senhora -
é só pras gentes seguir vivendo mesmo



segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

CARCARÁ

carcará
rondando
esta mata
cinquenta anos - inda vive

cara-carcará
m'encara
olhar não nordeste
de voar
por céus sudeste

carcoragem
voltear de bico
levou pra terras sul
vidas sertanejas em busca do [...]

pega[do].
mata[do].
comi[do].



terça-feira, 1 de dezembro de 2015

IMBELEZÔ

quando a beleza é poço
o que fica da gente é camada sobreposta indescoberta

é mergulho em buracos concretos,
a procura do líquido,
escavar da areia

quando a beleza é poço
o qu'imbeleza da gente não está para qualquer queira

são dez dedos raspando o que fossa
retornar ao recôncavo outro
de recordares baianos

quando a beleza é poço
rendido estar de não há mais q'eu possa