Vivi muito para não saber mais quem somos,
Me defini nos becos ocos de periferias alagadas,
Despi minhas vestes sentindo no bico dos seios
a fina brisa campestre.
Se pude ser brasa é porque de mim queimaram urtigas,
Se rude, se rasga, é porque - enfim - sobraram intrigas.
No verbo vespertino de hoje
Nenhum anseio se alastra
O tempo de quando
Do tempo que resta
é
O tempo canastra.
Saio pelas ruas à beira do nada.
A procura nem sempre encontra o buscado.
Ei, você, amiga pequena, já reparou na navalha ao lado?
Corta ela seu caminhar,
seus passos,
suas buscas,
seus passados.
Não há quem a freie, perversa, recém afiada.
Não reparou você que a navalha é meu verbo trespassado?
Minhas sílabas desconexas, afiançadas?
Meu abc primário escolarizado?
Meu grito fraco quando não te encontra nua no retorno à casa?
Minha língua impossível servida para a função da fala,
mas também eficiente na função do sexo?
Olhe de novo. O corte já desfia o pescoço.
Escorreu líquido solto.
Penetrou nos poros frios.
O que restou desta manhã?
É terça-feira.
Terça-feira nublada.
Terça-feira perdida no meio da semana
que insiste em começar.
Agora...
Agora só me resta varrer a casa e jogar no lixo reciclável os papéis rascunhos desta escrita que não acaba.
Lavar a navalha de sangue escorrido.
Desdenhar do pescoço malcriado que desafia a lâmina afiada.
E enfim acordar.
Não tem fim.
Bom dia.
Novamente
Lá vem ele -
O pescoço teimoso -
A desafiar a navalha cortante.
(*escrito a partir do abismo sentido ao conhecer a frase de Diane di Prima, escritora beatnik: "Tire sua garganta cortada de minha faca")