terça-feira, 29 de maio de 2012

PERCURSOS POÉTICOS NA METRÓPOLE - TRAJETO 6: REENCONTRO

"Tudo pela arte", certamente alguém já disse.

As panelas, os frascos, os isqueiros, as bobinas.

A arte pelo todo.

O prolongamento de um encontro fortuito no banheiro com alguém que em um passado recente foi por vez um grande amor. Esse alguém que por longas noites pratiquei meu exercício de olhar fundo em sua pele e dediquei-me a exercer naqueles minutos a delicadeza mesclada ao assombro dos gestos de quem se ama.

Esse alguém por quem você indibutavelmente caminharia por toda a universidade, decalça se preciso fosse, para a ela conseguir o volume de um livro; - um texto, um artigo, um conto, um poema, a metade de um único verso que fosse.

Encontro que se arrasta por mais tempo do que deveria durar.

O retorno -Por que sempre eu retorno?
Desta vez, entretanto, houve a concretude mascarada em justificativa: a necessidade de um livro.

Retorno não ao revisionismo a quem se acredita, por vezes, contudo, oras bolas, ainda amar. Mas sim, retorno à necessidade de levar para a casa o exemplar daquele raro livro tão desejado de se alumbrar.

Antes de tudo, há a arte.

Andaria ela por mim descalçada pelos corredores da universidade?

Quem me dera ainda poder responder que sim.

Ah vida que não se reciproca.
Ah atos que não se intercambeiam.
Emoções que não se correspondem.

Por que, meu Deus, por que faz de mim ainda prestativa aos seres que amei(o)?

Por que não me deixas abandonar tal criatura?

Permita a mim praticar meu exercício de alteridade sentindo o mesmo que por mim ela agora sente: a indiferença.

É justamente porque sei que o contrário do amor não é o ódio, e sim esta mesquinha indiferença que deita raízes naquele corpo que um dia afirmou me amar.

Enquanto eu odiar será ainda meu travestimento para com quem contínuo amo. Meu disfarce de carnaval. Pobre menina dando nó no elástico da máscara frente a frente de supetão.

Novamente eu pergunto:
"Por que me abandonaste?"


-para quem acompanha meus Percursos, o de hoje não leva citações pois estou oca de sustentação poética. Seca.
E, talvez, por que não, estou farta de todo o lirismo.

à guisa de não-identificação: o eu-lírico não sou eu!



segunda-feira, 21 de maio de 2012

CINECLUBE PIPOCA COM BATOM


CINECLUBE PIPOCA COM BATOM



           Exibição de vídeos dirigidos por mulheres em todo último sábado do mês, às 18h30 na Penha.

Local Memorial Penha de França: Rua Betari, 560, Penha (próximo ao Metrô Penha)

Filme do Mês:

26/Maio
O PIANO
Direção: Jane Campion
Ano 1993 (Nova Zelândia)
Duração: 121 minutos


Na época vitoriana, quando a Nova Zelândia estava há pouco tempo sendo colonizada, para lá se muda Ada McGrath (Holly Hunter), um mulher que quando tinha seis anos de idade resolveu parar de falar. Ela vai na companhia de sua filha, Flora (Anna Paquin). O motivo de ter ido para lá é que Ada se casou com Stewart (Sam Neill) em um casamento arranjado, já que ela nem conhecia seu noivo. Ada imediatamente antipatiza com Stewart quando ele se recusa a transportar seu amado piano. Stewart negocia o instrumento e o passa para George Baines (Harvey Keitel), um administrador da região. Atraído por Ada, Baines concorda em devolver o piano em troca de algumas lições no instrumento, que Ada daria para ele. Mas estas "aulas" se tornam encontros sexuais cada vez mais intensos, onde Baines pagava Ada com uma ou mais teclas do piano, sendo que o pagamento estava relacionado à intensidade de intimidade proporcionada. Porém, logo esta situação sai do controle, gerando trágicas consequências.






quarta-feira, 16 de maio de 2012

PERCURSOS POÉTICOS NA METRÓPOLE - TRAJETO 5: DO TEMPO

"Porque isso pode bastar para precipitar todos os rancores e todos os cansaços ainda em suspenso"

O que para hoje sempre pende, pende.
Estado de permanente suspensão.

Antes - ontem - tivesse eu tentado um pulo precipitado e todos os elementos que - hoje - me rodeiam não se chamariam presentes. Talvez insistissem no pouco título de passado remoto. Já era. Zé fi ni.

A diferença de duração e tempo está nos valores atribuídos a cada nomenclatura.
É como se a duração propusesse algo ocorrido antes e a segurança de um depois.
A duração é o entre.

Por sua vez o tempo é o que se presentifica. Ao mesmo tempo, por que não?, em que pode nele ser amontoado o passado.

"O presente é uma mínima partícula que vem empurrada pelo passado e já roendo o futuro"

Tremor perante os roedores.
Quisera eu roer o tempo com tamanha voracidade voluntária. Mas, por vezes, é ele quem me roi, me devora.
Nesse quesito, eu por vezes involuntária.

"O capitalismo é o senhor do tempo, mas tempo não é dinheiro. Isso é brutalidade. O tempo é o tecido de nossas vidas"

O tecido de nossas vidas.
Não, não é dinheiro. Mas como aproveitá-lo?

"Meu tempo?
É quando"

citações:
-O absurdo e o suicídio, Albert Camus
-Matéria e memória, Henri Bergson
-professor Antonio Candido em discurso proferido na inauguração da Escola Nacional Florestan Fernandes
-Oração ao tempo, Caetano Veloso


terça-feira, 8 de maio de 2012

PERCURSOS POÉTICOS NA METRÓPOLE - TRAJETO 4: ELA

"Ela é tão bonita. Ela é tão bonita que na certa eles a ressuscitarão"

Das tardes que não se traduzem;
Dos ritmos que não se destroçam;
Dos encontros que não desapontam;
Dos andares que não determinam;
Das conversas que não se dispersam;
Dos olhares que não se desviam;
Dos toques que não se encostam;
Das bocas que não se arriscam.

"Se em um instante se nasce, e se morre em um instante, um instante é bastante para a vida inteira"

Congela pequenos detalhes na 'parede da memória':
(usava ela brincos?)
(qual o formato de seu colar?)
(de que modo ela abria a carteira?)
(como jogava para trás os cabelos?)

"-Venha até a borda.
-Não, iremos cair.
-Venha até a borda.
-Não, iremos cair.
Ela foi até a borda, eles a empurraram e ela voou"

Do corpo que se lança, mas, então, recua.
Avanço rápido do desejo, projeção do que "poderia ter sido e que não foi".
Ímpeto frenético do encontro, o ritual do sacrifício da concretização de Eros.

Por ora
...
é tempo de espera.

citações em vermelho:
-O amor, Caetano Veloso sobre poema de Vladimir Maiakóvski
-A maçã no escuro, Clarice Lispector
-Como nossos pais, Belchior
-Guillaume Apollinaire
-Pneumotórax, Manuel Bandeira

-para ouvir em seguida:


domingo, 6 de maio de 2012

PERCURSOS POÉTICOS NA METRÓPOLE - TRAJETO 3: DO QUE DISSERAM

"Quem é alguém que caminha
toda a manhã com tristeza
dentro de minhas roupas, perdido
além do sonho e da rua?"

Disseram-me que era preciso aprender a ser adulta.

Mas o que fazer se meus pés ainda pisam os tênis? Se meus ombros que deveriam suportar o mundo ainda carregam mochilas? Se minhas mãos ainda amassam pacotes de biscoitos e o batom permanece intocável na prateleira?

Disseram-me que era preciso aprender a ser séria.

Mas o que dizer quando tudo é motivo de riso? Quando o patetismo absurdo extrapola a coerência lógica das palavras e das coisas? Quando uma única madrugada lúdica com pessoas amigas faz muito mais sentido do que todo um estudo da conjuntura?

Disseram-me que haveria uma guerra.

Será com tênis no pé, mochila nas costas e gracejos na língua que me posicionarei perante.

citações:
A viagem, João Cabral de Melo Neto
Os ombros suportam o mundo, Carlos Drummond de Andrade
As palavras e as coisas, Michel Foucault
Sentimento do mundo, Carlos Drummond de Andrade


quinta-feira, 3 de maio de 2012

PERCURSOS POÉTICOS NA METRÓPOLE - TRAJETO 2: MOMENTO SOLO

Movimento único

Drummond escreveu que "Este é tempo de partido, Tempo de homens partidos".

Corro a cidade em busca de homens e mulheres inteiras, plenas, quando não à procura de rostos que já não as pertencem.

Deparo-me com cortes, barreiras.
Lombadas, cortinas.
Contornos, esteiras.
Prefixos, urinas.
Acordos tácitos, por vezes ilícitos.
Desejo de se chegar a um onde. (Aonde?)

Por ora, não fazem mais da partilha uma entrega ao tempo.
Somente quem (com)partilha migalhas merece a devoção daquele que insiste. Que busca. Em busca.
Será este um tempo perdido? Tempo de homens e mulheres perdido/as?

Olhos trêmulos pelas ruas, corpos trôpegos nas esquinas.

[era tempo de não tentar ser lírica.
mas se esqueceram de queimar A rosa do povo de minha estante]

citação:
Nosso tempo, Carlos Drummond de Andrade


quarta-feira, 2 de maio de 2012

Percursos poéticos na metrópole - cena 1: Geandra

Por vezes os poemas fazem mais sentido do que a existência.
Quando a realidade não se cristaliza em significâncias que extrapolam a esfera do meramente visível, seguramente a disponibilidade das palavras que se entrecruzam criando outras concatenações é fonte certa que nos arremata a alma.

Esta cena primeira é compartilhada com Geandra e composta de Drummond, Lispector, dona Bastu...

Movimento número 1: "Chega um tempo em que não se diz mais Meu Deus, tempo de absoluta depuração".
Saio de casa a fim de ir à aula. É sexta-feira, único dia em que tenho aula à tarde. No caminho sou interceptada por um telefonema.

Movimento número 2: "O inesperado bom também acontece".
Amiga Geandra com um belo convite ao cinema. Girimunho. Cinesesc. Conversa que pende, pende... Topo. Cancelamento de aula.

Movimento número 3: "O último dia do ano não é o último dia do tempo"
Retirada de ingressos ao teatro. Chego cedo, ingressos disponíveis, não os retiro. Aguardo amiga Geandra para podermos pegar lugares juntas. Ela chega: ingressos esgotados. Fila de espera? Retornaremos em 4 horas, obrigada.

Movimento número 4: "Não se é novo nem velho"
O digital (tão mais belo era escrever 'a película') nos destemporiza, somos conduzidas ao tempo diegético das imagens. Ge se emociona, eu me desloca da vida.

Movimento número 5: "A vida apenas, sem mistificação"
Fila de espera para o teatro. Vidas atualizadas. Ge: -Já que você gosta de recitar poemas, ouça este! E lá vem Pessoa, Drummond, Castro Alves, Caeiro, Bandeira e também canções: Chico, Bethânia... e a vida apenas...

citações:
movimento 1: Os ombros suportam o mundo, Carlos Drummond de Andrade
movimento 2: Clarice Lispector em carta à amiga Olga Borelli
movimento 3: Passagem do ano, Carlos Drummond de Andrade
movimento 4: dona Bastu, filme Girimunho
movimento 5: Os ombros suportam o mundo, Carlos Drummond de Andrade