quinta-feira, 27 de setembro de 2012

JOVENS DE MINHA GERAÇÃO


Pulhas de um sistema falido,

Espólios da desnutrição famélica.

Eu olhei para o lado e não encontrei os meninos de minha geração.

Sonolentos, sonambulavam pelas avenidas alargadas por entre os calçadões.

Espiavam dejetos, comiam miúdos, trajavam gravatas.

[O número um antecede a desgraça do zero na medida em que este de nada vale]

O menino ainda me olha.

Queima em mim as calorias sanadas pela desmedida fome.

-Se aproxime garoto-fugaz, garoto-moleque que te vejo agora e nos abandonamos no instante seguinte porque somos efêmeros. Não fique um pouco mais, não te quero por mais de uma foda, meus olhos são demasiado ágeis para contemplação de seu único gozo. Ainda por aqui? Ora, menino gemido, que coisa este insistir da vida.

Garoto-fugaz possui obediência, já partiu. É pena. Gostei da forma como ele me tocava os ombros como quem segura fragilidades.

Avisto ao longe as meninas de minha geração. Sorriem às largas, montadas em roupas esdrúxulas. Parecem não respirar. Manutenção do controle.

Não sou as meninas de minha geração. Deslocada do tempo, transito em pensamentos por outra onda que já partiu. Ou, talvez, ainda esteja por chegar.

A insatisfação do tempo presente é a constante das gerações.

Se meu tempo é quando, quero o tempo do onde e por quê.

Não saimos de mãos dadas às ruas, não dizemos bom dia à quem passa, e, no entanto, continuamos passando pelas mesmas ruas, cruzando com as mesmas pessoas, indo dormir na metade quase exata do percurso diário da lua, dando um beijo rápido na filha que já nanou, levantando correndo no dia seguinte, esperando a sorte de conseguir sentar no metrô vazio que passa às 7h30, batendo o ponto computadorizado, requentando marmitas na fila de espera do micro-ondas, ligando nossos fones de ouvidos, pagando dizimamente a condução nossa de cada dia, enviando freneticamente o maior número possível de mensagens por celular que a operadora aguentar. Se há tempo, encontra quem ama na passagem rápida do metrô, acena para uma amiga, a leva no pensamento.

Onde foi parar a revolução?

Porém, contudo, ademais, além disso, são jovens da minha geração. A mesma que não quis que assim fosse, e que por tal se tornou.





terça-feira, 25 de setembro de 2012

CINECLUBE PIPOCA COM BATOM APRESENTA:



CINECLUBE - PIPOCA COM BATOM

Exibição de vídeos dirigidos por mulheres todo último sábado do mês, às 19h na Penha

Local Memorial Penha de França, Rua Betari, 560, Penha (próximo ao Metrô Penha)

ENTRADA FRANCA

Este mês exibiremos o filme:

29/Setembro
“Bicho de sete cabeças”
Direção: Laís Bodanzki
Ano 2001 (Brasil)
Duração: 74 minutos

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

FESTIVAL DE CORDEL - CENTRO DE TRADIÇÕES NORDESTINAS




Dia 16/09 foi realizada a abertura e premiação do Festival de Cordel promovido pelo Centro de Tradições Nordestinas, concurso promovido no final do ano passado.
Na ocasião, eu escrevi um cordel intitulado Torcicolo Cultural e enviei para o concurso, ficando na 16ª colocação. Seguem as fotos da exposição e capa de meu primeiro cordel impresso.




 O cordel também está publicado aqui no blog, na página Cordéis:




 





segunda-feira, 10 de setembro de 2012

CRÔNICA: A/OS CONTADORA/ES NOTURNA/OS

Escrito em um momento de observação - durante muitos - ocorrido em uma livraria, meu antigo trabalho.
Na ocasião, trabalhadora/es lá estavam para realizar a contagem de acervo durante uma madrugada.
Com seus aparelhos, iam bipando todos os códigos de barras de livros, cd's, dvd's, e tudo o mais que vissem pela frente.

A/OS CONTADORA/ES NOTURNA/OS

Ela/es eram a/os contadora/es noturna/os. Quando chegaram os objetos já estavam dispostos em fileiras a fim de facilitar seu trabalho. Com o rosto impassível, como quem possui um único objetivo na vida, a/os contadora/es empunham seus aparelhos eletrônicos para inserir no leitor o código de barras do produto.

    São ela/es muito sérios. Como quem perdeu a vida em alguma outra paisagem e vivem a tentar recordar esses instantes já vividos. Uma/uns nasceram em paisagens naturais: nada de saneamento, comida vinda diretamente da roça, sem comunicação com o mundo exterior. Outra/os aprenderam desde cedo o que é pegar no batente, seguindo o exemplo dos pais trabalhadores explorados, porém sobreviventes. Outra/os nem sequer foi lhes ofertado um exemplo a seguir. Foram guiada/o pelos caminhos do mundo por onde o vento noroeste indicava seu rumo.

Mas no momento presente que é o de interesse da narrativa eis que estão toda/os ali, uniformizada/os prontos para o aceno de início.

Preparados?

Ação.

Tomam todos uma pilha de produtos a serem contadas e, de arma contadora em punho sonorizam o bip que confirma a validez do código.

Sérios, como convém a um trabalhador noturno.

    Nem a música embalante que envolve a madrugada a/os remove do estado natural das coisas e excita seus corpos ausentes de prazeres a um remelexo nacional. Os números não se dão à musicalidade. A partitura só funciona na cabeça de quem toca. O meu olhar a ela não extrai-lhe o som.

    Quem são essa/es contadora/es noturnos? Será que se eu convidá-la/os a dançar após o trabalho ela/es aceitarão? Será que no fim da jornada, sendo já observados os primeiros raios de sol, irão ela/es descansar em suas casas? Dormirão com o sol escaldante que cobre o verão brasileiro? Ou um simples descanso de poucas horas já os deixarão fortalecidos zumbimente para a próxima contagem?

    Quem são esses contadora/es noturna/os?

    Por mais que eu a/os olhe, observe-a/os dos pés à cabeça, só consigo enxergar o que lhes cobrem, o que calçam, como se penteiam, qual a cor de suas peles a fim de se pensar estar descobrindo suas origens.

Terão sonhos a/os contadora/es?

    Por que não falam? Por que não sorriem? Perderiam a conta se se dessem a tal prazer momentâneo?

Tudo bem, tudo bem, respeitemos a/os contadora/es noturna/os. Deixai que executem seu serviço sem a interferência de meu olhar curioso necessitado do sorriso de todos, da piada cotidiana, do encanto de se fazer o que gosta.

Não, a/os contadora/es não têm sonhos. Como quem de nada se acostumou a gostar, à/aos contadora/es só interessam os códigos de barra. E seu salário correto no final do mês, certamente. Se fosse permitido à/aos contadora/es escolherem o que contar acho que escolheriam notas de dinheiro. Moedas talvez num grau menor, dado o aumento de trabalho. Aí se veria de mais imediato o que estão a produzir.

Como não conhecem o conceito de mais-valia, nada que perigue revolucionar a cabeça do/a contador/a. Tranquilidade para o patrão, mesmice de um emprego seguro para o/a contador/a.

Um dia contratarei alguma/uns contadora/es para contarem os fios de meu cabelo rebelde. Quero senti-la/os mais próximos, quase que como a exporem seus sentimentos ao tocarem em minha cabeça.

Enquanto contam, contar-lhes-ei minha vida. É uma forma de ser contadora também. Quem sabe assim eu não me aproximo do mecanicismo de seus trabalhos.

Só que ao invés de contar minha vida como se tudo fosse incrível ou repleto de dramas e suspenses, contarei mo-no-to-na-men-te, como quem bipa código de barras de produtos. Fa-la-rei-no-mes-mo-rit-mo, sem graves alterações, sem sorrisos, sem remelexos.

Serei grave, como convém a um/a contador/a.

Ao chegarem à contagem do último fio, estarei neste mesmo instante sendo narradora do momento atual. O momento em que a/os contadora/es terminam de contar os meus fios de cabelo. Em comunhão de ato e história, perceberão a/os contadora/es estarem eles, ali, naquele instante, saindo do mundo dos dígitos para fazerem parte da história real de minha vida?

(Bárbara Esmenia: 08/11/2010)